Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

o modo de falar às coisas que é do mais dentro do Brasil, nos poemas de Francisco Pippio

$
0
0
http://institutotear.org.br/reisado-dos-irmaos/












MODO DE FALAR ÀS COISAS

Desaceitando vaqueirar vacas
José quis ser vaqueiro de borboletas.
As borboletas viviam ocultadas
em suas ausências de verão
e não aceitaram ser tangidas feito vacas.
José encasquetou de vaqueirar as casas
que descansavam acocoradas no morro
com suas paredes indesatavelmente azuis
e de madeira bruta descabida nos portais.
Mas as casas desaceitaram
o laço desavizinhador.
José, então, se encegueirou no tanger
das palavras devolutas recolhidas na rua.
As palavras, descompromissadas
de protocolos, se desimportavam com o
modo extraordinário de José falar às coisas.










PROBIDADE

Nasci pedra
e, principalmente,
vivi pedra,
apesar do furtivo rio
de imponderável água mole.









 MÁGICA HERANÇA

Tenho um engenho inato
para coligir estrelas.
Recolho-as quando vão surgindo,
cataporando o céu desaberto da boca noite.

Coaduno as estrelas alheias
em formigueiros de terras devolutas.
As formigas acolhem as estrelas
como se acolhessem pirilampos.
                                                                                                                                                                            Herdei o mágico engenho
de coligir estrelas
de um cultivador desvistado
que despintava o céu para apanhar o seu anil.









REISADO

Quando vozes roncaram na rua
abeirou-se o reisado com sua alegria insubmissa
desencardindo a noite do nascimento
com o encarnado, o azul e o amarelo.

Eu brincava de compreender as estrelas
do céu do espelho d’água do rio figurado 
estirado molemente na franja da cidade
e corri para ver os brincantes que repartiam sonhos.

Encarei desassombrado o boi, a burrinha e o jaraguá.
Traquino, encapotei-me de rei mago 
e dei ao Filho de Maria uma coroa de estrelas
atilhadas em cipó de caroá.










CAVALO DE PAU

O cavalo de pau insone enviesou-se
até se postar de frente para a lua. 

O cavalo de pau encarava a largueza do mundo
com um olhar aguado
de quem julgava que se desarborizou por punição.

O cavalo de pau se desimportou
com São Jorge montado em seu cavalo branco
no desenho prata da lua.

Ao cavalo de pau interessava apenas
que a lua fosse vista pela coruja
que mora no marmeleiro que o pariu
e que havia lhe emprestado os olhos.










________________
Francisco Pippio, nasceu em 1967, em Graccho Cardoso – Sergipe. Advogado e professor de Sociologia da rede estadual de ensino de Sergipe. Autor do livro de poemas As Cidades, Editora 7 Letras, 2006 e do livro infantil Cutucando a onça com vara curta, Cortez Editora, 2016. Premiado no Concurso de Contos e Poemas Manuel Bandeira, do Centro acadêmico de Letras da Universidade Federal de Sergipe - UFS, em 1997 e nos Concursos Literários Santo Souza de Poesia, 2003 e Núbia Marques de Contos, 2004, da Secretaria de Estado da Cultura de Sergipe. Tem textos em poesia e prosa publicados em cadernos e suplementos literários pelo Brasil afora.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548