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http://canelaehortela.com/ imagem de Tânia Fernandes |
À chaque jour suffit sa peine
Escrever um poema por dia,
− nem mais, nem menos −
a cada dia consumido.
Como quem produz,
um risco no calendário.
Como quem provoca,
um rasgo diário no tecido do tempo.
Como quem faz marca,
na data,
na contagem de alguém que
escreve como quem
labuta a vida em palavras.
A cada dia,
um poema por vez,
− nem menos, nem mais.
Um poema após o outro,
enquanto as semanas se passam,
aos poucos.
P
Palavra - pirilampo:
piscante
pulsátil
palpita
piscante
pulsátil
palpita
provoca
Palavra- pássaro:
planadora
portadora
passageira
peregrina
Palavra- poço:
pulcro
pústula
punção
portal
Palavra- pétala:
pistão
película
pintura
perfume
Palavra- pássaro:
planadora
portadora
passageira
peregrina
Palavra- poço:
pulcro
pústula
punção
portal
Palavra- pétala:
pistão
película
pintura
perfume
Palavra - pólvora:
projétil
potência
partição
perfuração
Palavra - pérola:
pontual
precisa
pura
placentária
Palavra - pergaminho:
pedra
ponte
passarela
periférica
Palavra - pensamento:
principal
profusão
para possíveis
Poemas.
Palavras para a contorcionista do circo de Soleil
Aquele tecido vermelhoenvolvia a pele
clara e lisa
com o seucintilante prisma
um casulo de cetim
clara e lisa
com o seucintilante prisma
um casulo de cetim
Nada mais que um envoltório elástico
em cujo interior habitavaa mulher
fendida desde o alto
até o chão
Uma mulher - pêndulo
e o seu corpo – elástico
em queda
corpo errático
dependurado e livre
em sua plasticidade sobrepujante
que aprisiona a forma,
sem no entanto retê-la.
até o chão
Uma mulher - pêndulo
e o seu corpo – elástico
em queda
corpo errático
dependurado e livre
em sua plasticidade sobrepujante
que aprisiona a forma,
sem no entanto retê-la.
O barco
Escrevo o poema como quem deseja dividir o vazio do quarto
no tempo escasso
que se molda
na fresta da vida
que se abre
e resta.
Mas quanto de amor cabe nesse barco
que planeja navegar
pelos desvãos do agora
na ânsia pelo toque
que se quer abraço
nessa exata hora,
ainda que sem pressa?
No recolhimento dos corpos,
a partilha do silêncio.
Porta Rouge Bingo
Minha boca é uma porta vermelha
antiga
mero meio de acesso até o casulo tecido pelo bicho da seda.
Soleira por onde o mundo entra
e sai
do corpo que tece e desentretece mapas,
eventualmente forjados a fogo e ferro.
Boca - porta para aonde volto
– e me revolto,
quando a palavra se cala no suspiro
ou desenfreia torta,
no berro.
Boca que tem cor de rosa,
Vermelha.
Fio d’água
Apenas um fio d’água margeia o horizonte,
na borda desse rio que nos navega
enquanto vagamos pela vida.
Os pés descalços não temem o caminho
no desalinho da rede pendurada no barco
− este casulo que alberga o balanço dos corpos,
nela deitados de viço.
Lugar onde o tempo desafia a morte
na paisagem sublinhada pela vastidão da rota,
aberta e desconhecida,
a cada reiterada partida.
Luciana Brandão Carreiraé psicanalista, psiquiatra, doutora em Psicanálise pela UERJ/ Université Paris XIII e professora na Universidade do Estado do Pará (UEPA). Na atualidade, realiza um pós-doutoramento em estudos literários na Universidade Nova de Lisboa. Em sua trajetória como escritora, é autora dos livros ‘Entre’ (Poesia, editora Verve, 2014) e ‘Os tempos da escrita na obra de Clarice Lispector – no litoral entre a literatura e a psicanálise’ (Ensaio, editora Cia de Freud, 2014) e participa do núcleo editorial da Revista de literatura Polichinello. Todos os poemas aqui publicados encontram-se publicados no livro Entre, editado em 2014 pela Verve editora.
E-mail: lucianabrandaocarreira@gmail.com