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vou comer brilhantes pra ver se quebro um dente - a poesia de Paula Cohen

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Arte de Flavia Erenberg








AO VENTO QUE ME CARREGUE
vou
do desapego do astronauta
a paixão de uma cadela vagabunda
compro um trecho
de um polo a outro
 sem escalas   sem escada rolante
voo
com um paraquedas
pelos imprevistos
só um
tende a falhar
mas sempre aceito sugestões
caio de bom grado
na rede de um bombeiro






ANTES DA CENA
vou comer brilhantes
para ver se quebro um dente
prometo não te mastigar tanto
deixa olhar
mordida bendita cicatriz
eu sou uma atriz
desperto na consequência dos atos
protagonista do acaso
relatos do estado
de uma vida singular
sozinha eu poderia estar
se não teus olhos me dissessem tanto
se não tivesse que engolir
pranto santo sacrifício
oficio é de papel timbrado
o meu labirinto zoado não entendeu
agora      silêncio
silêncio sagrado de camarim
quando isso é possível
tempo atento de entrar na cena
palavras talhadas na memória
outra boca é a que fala:
eu já fui ela
acredite
eu já fui




  

VÊNUS EM ÁRIES
um óculos de mulher
no rosto de um macho pelado
uma mina despida de Rita Lee
chove porra na cidade
e os guarda-paus se abrem
quem tem medo de gritar quando goza?
quem tem coragem de trepar
com alguém que já morreu?
jogaram absinto na caixa d’água
não corte a orelha meu amor
deixa que eu limpo
o meu sangue nos seus dentes
Vênus passa nua por áries
lhe oferece a nuca
um tornado de luxúria
inverte a moral da cidade
rabinos explicam:
tradição e traição
têm a mesma raiz
um sopro de liberdade
sem culpa
no coração de quem sempre se priva
o sol dentro do corpo
de quem vive cinza
tatuagens de boca na pele
têm lugar nas passarelas
corpos chupados desfilam
com o olhar de crianças
que inventam do que vão brincar
Vênus seduz o carneirinho
o sacrifício santo do amor





HIPÓTESE DO GRANDE IMPACTO
quanto custa um apartamento na lua cheia?
quero uma kit por lá
sem luz
com sombras
desenhos de astronautas
 levitando de dar voltas no ar
para servir o jantar no teto
 para trepar sem paredes
 para gozar alto
escalar crateras de abismos sem chão
 colchão de ar comprimido
   sem reprimir a queda
rodar as galáxias
   com os anéis nos dedos
 vou experimentar a lua
 alugar um lance por lá


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TODOS OS PAPÉIS DE PAULA COHEN


No papel de Neusa Sueli. De Cleide. No papel de Rebordosa. De Phedra de Córdoba. Elvira. No papel de vingativa. De traidora. Traída. No papel de vencedora. Vencida. Todas as mulheres em uma só.
Aquelas que a atriz agora põe no papel.
Aviso: tanto no palco quanto neste volume de poesias, ela chega dona da mesma excelência. Sensibilidade. Ora, silenciosa. Por vezes, histérica. No sacrifício santo do amor. Ou querendo, urgentemente, morder brilhantes para ver se quebra um dente. Este livro é feito dessas faces e fases. Contrastes e oásis. Dilemas e dramas. Apontando para o futuro. Corroída na memória. Mas sempiternamente alerta. Aérea e terrena. Aberta ao movimento. Nunca parada no esquecimento. Para onde for, toda ela, mulher, irá inteira.
Quanto custa um apartamento lua cheia?”. Tudo ao mesmo tempo agora. E aqui. Não importa se Cleópatra ou Madalena. “Uma sina buceta de ver o mundo / de desejar o mundo / para dentro de si”. O mundo que parece ter começado no Uruguai. De onde vem a sua língua-mãe apaixonada. Que nos entrega versos para guardar. Bons para interpretar em voz alta. “Desnuda aprendo que el deseo / no dice fin”. Ou em bom português: “Posso ser aquela que você sonhou / quando fechou os olhos pela primeira vez”. Saúdo e aplaudo mais esta bela estreia de Paula Cohen. Quando as páginas- cortinas se abrem, é segurar a respiração. E se reconhecer em cada fera, ferida. Frase, imagem. Palavra dramática e lírica. Ela, agora no papel de poeta, mais uma de suas grandes protagonistas.

Marcelino Freire


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O livro "vou comer brilhantes pra ver se quebro um dente" você encontra aqui: www.laranjaoriginal.com.br
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Paula Cohen, nascida em 1974, em São Paulo, é de família uruguaia. Formou-se em Artes Cênicas pela Escola de Arte Dramática EAD-USP, e também em Jornalismo, pela FMU. Vem sendo uma das atrizes mais atuantes do teatro paulistano, e nos últimos anos ganhou bastante destaque na televisão e no cinema. No teatro já representou mais de 30 peças. Uma delas doi ‘As lágrimas quentes de amor que só meu secador sabe enxugar’, solo dirigido por Pedro Granato, que divide com ela a autoria. É autora do livro de poemas "Vou comer brilhantes pra ver se quebro um dente", lançado pela editora Laranja Original.







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