Cicatriz
esticado e doloroso
como a pintura rupestre
que nos feriu
pro lado
de cá
em golpes e
pilhagens
Espelho
se vê
que não haverá
partida
paralelo e
repetido
sumir
adiar o desencontro
que sabemos
ali
todo reflexo não deixa de ser
Godot
Perplexo
voltado em si
esperando o rugir
explosão que surge
mas as paredes do tórax vão continuar
em pé
o próximo movimento
como o último
apenas mais
distante
o tempo da ação já acabou
Balé
a posição dos pés
lance do corpo
para romper o vazio
e encontrar dentro
mais uma razão
para rodopiar
queda seca
mais um movimento
quieto
equilibrado
ninguém se levanta
sem saber
porque
Escala
como um solo
de trompete
existir em algum canto
berrando em gemidos duros
interrompidos
em ilusões
de espontaneidade
![]() |
Cabeça de Peixe (Xico Chaves), em www.xicochaves.com.br |
Moldura
arranquei daqui
uma espinha
de peixe
nua
branca
seca
:
procurei carne
e encontrei
pontas
se bem que
assim
em cartilagem
e osso
romper e rasgar
se torna muito mais
difícil
Lavoura
paternidade própria
manda exige tolhe
expulsa da ponta da pele
do dedo
do pé
as explosões
de ser e sentir
gozar é fugir
de casa
Caminho
rastros
na pele
as trilhas abertas:
desenhos e
sinais
prefere fazer as vezes de campo
percorrido
e marcado
tem gente que não teme
que os outros saibam
as próprias
vias
tem gente que nunca enterrou sem cruz
algo ou alguém
nas beiras de si
Polaroide
congelado modelo
perdido em nostalgia
por quem faz questão de tentar
se manter
fotografia
quem ficou
como uma bela coleção
de borboletas
Distância
é sempre mais difícil
amarrar-nos
no espaço
que roubamos
a vontade de escapar-se
é grande
demais
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Arthur Lungov, paulista nascido em 96, é formando na Faculdade de Direito da USP e autor do livro de poesia “luzes fortes, delírios urbanos” (Patuá, 2016). Foi publicado em coletâneas (Hiperconexões Vol. 3 – Patuá, 2017; Civilização e Barbárie – Gueto, 2017) e revistas (O Casulo – Jornal de poesia contemporânea, Revista Raimundo, Revista Gueto, O poema do poeta, etc.). Faz parte do conselho editorial da Revista Lavoura, publicação de literatura brasileira contemporânea.