I
dentro da cidade, como um dado
que derrete sobre o calor do concreto,
aquele homem, os úmidos pelos das pernas
aderindo à calça velha, a lembrança
tremendo nos lábios
e certo do tamanho
desta tarde, da tragédia
desta tarde, da dureza
deste asfalto, do asfalto
desta falta, caminha,
tonto, entre as linhas
imaginárias dos trópicos,
sob o brilho escondido
das estrelas, dentro da melhor
cidade da américa do sul
II
por onde
ir? pergunta
ao próprio corpo,
onde deitar para não
doer? [a certeza-soco
da existência, este cisto
encravado na retina,
no meio do caminho]
por onde poder partir
para além da ruína?
dentro da cidade, como um dado
que derrete sobre o calor do concreto,
aquele homem, os úmidos pelos das pernas
aderindo à calça velha, a lembrança
tremendo nos lábios
e certo do tamanho
desta tarde, da tragédia
desta tarde, da dureza
deste asfalto, do asfalto
desta falta, caminha,
tonto, entre as linhas
imaginárias dos trópicos,
sob o brilho escondido
das estrelas, dentro da melhor
cidade da américa do sul
II
por onde
ir? pergunta
ao próprio corpo,
onde deitar para não
doer? [a certeza-soco
da existência, este cisto
encravado na retina,
no meio do caminho]
por onde poder partir
para além da ruína?
III
veículos, cães, o seco
vapor das palavras ditas
em português do brasil
e tudo por todos
os lados, produtos
das bocas desta brasa
quente como é muito quente
uma merda fresca, um cu
dissolvido em suor [não
eu nunca quis perder
os pontos de chegada,
eu nunca quis saber
que não existe nada
de repente, um tiro,
um salto, um espanto,
e o mundo entorta,
e a língua corta
o fio de seus verbos
devo andar? apenas
perfumar a pele
com a fome de
uma faca? a vida
não vale este estrume
sob o meu sapato
a morte não vale
este sapato, meus pés
sobre o mole da merda
repito: VIDA
meus dentes estranham
o som da palavra
a ponte espantada
a vida, a vida
não vale um cascalho
destas avenidas]
NOTAS AUTOPICTOGRÁFICAS
penso em sua lírica e em seu deslize, em como os musgos desta casa te derrubaram a boca. a revista de setembro, ainda no plástico, envelhece sobre o cesto de roupas sujas. aquele velho navio, a tempestade encharcando o tempo, inchando o intervalo dos corpos, dois, quatro, quantos dias?
09
há música possível? procuro. faço carinho com a orelha no muro áspero, muito devagar e com amor. nada. um galho seco roçando o seu portão, quem sabe? a dor é uma entidade de osso e osso, sem sua contraparte, pedra e pedra sob o sol do domingo.
29
sair de campo. a loucura encalha em cada esquina, esperando. amontoo as faces que passam, um manto sobre os meus cabelos. as mãos duplas escrevem os mais absurdos poemas de amor.
30
equilibro os olhos nas palmas das mãos. na janela, entre o espaço da sala e o resto dos homens, pedrinhas batem e arranham. equilibro unhas afiadas entre os dentes. um poema existe fora dos limites, crescendo sob o cacto do parapeito.
28
se eu pudesse, não posso, segurar estas linhas. as avenidas estão trincando, e fórmula é uma palavra muito mole. minhas mãos são válvulas de escape, sempre prontas.
10
não para comunicar, mas realizar desejos. daqui vejo os fios que fazem as falas, frágeis e pontudos. ideia: colocar o corpo inteiro nessas salivas.
outubro
07
testar o texto até sua tensão máxima. como um mantra, repetir o último trinado, a faca final, até sua completa inexistência. quero a última instância da cidade, onde os animais de pelúcia e os bichos sarnentos das calçadas fazem uma orgia. quero trombar na mesma tábua um pedaço do muro de berlim e a fotografia de minha mãe. espocar os espaços, organizar o organismo a partir da DESORDEM.
25
tento descobrir, tateando a atmosfera, se é tudo ou se é nada que passa. não há diferença, digo, não importa, pois no ápice do sol os cães roçam suas cabeças no asfalto vulcânico. aprender com eles, como?
dormir para atravessar a tarde, o monolito amarelo. uma ponte, ainda que estreita, é uma ponte, ainda que falte, uma ponte. mas questões trucidam o sono. a cara crua, a máscara tropeça e cai. penso em pelo menos duas maneiras de fazer o poema: moldá-lo, elefântico, quase táctil, ou escrevê-lo, apenas?
26
a noite, um búfalo negro, mais uma vez nos atropela as palavras e as vistas. o último licor de amarelo, alguém o percebe? queria beber contigo, de novo, um copo de vodka, uma sexta, o calendário. sento na cama, reoriento o tato órfão, sozinho. enquanto lembro de minhas tripas verdes, patas passeiam sobre a vegetação rasteira de meus cabelos.
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João Pedro Liossi (1996) mora no interior de São Paulo, em São José do Rio Preto. Estuda Letras na UNESP, é músico e poeta. Em 2014, foi vencedor do Prêmio Paulo Leminski, concurso de poesia realizado no campus da UNESP de São José do Rio Preto (SP). Em 2015, publicou um fanzine de haicais, além de poemas nas revistas Gente de Palavra, Raimundo e Mallarmargens. Seu primeiro livro, “Aquilo que chamávamos de escuro”, será publicado pela editora Urutau.