CARBONO 14
Pensar a pedra
como atrás fora
o ser, é do chão.
A pedra que dentro
diz da criatura
seu peso-réu
de ambição. (De quem
o novo erro?)
Nosso verbo se iguala
ao dos dinossauros:
adubos de um paraíso além.
TIPOIA
Sobre o rio trabalhado
algo além da mesma ave
pulsa no viés de sua órbita.
Algo que se elabora
dum quase inascido voo.
(Danificada asa sem apoio
senão o da paz traída
no avesso nenhum
de um deus subtraído)
Exato (posto que concluído),
inclina-se habitual
em seu vir desnecessário, o canto.
FÊNIX
Um corpo
para que o pó o plume
da pedra que o pena,
que pena
é peso de pálpebras
na palha após
do tempo.
A pena
que é do pássaro
o sempre depois
no próprio pó
a repetir-se.
LIÇÃO GASTRONÔMICA
À maneira dos peixes
no paladar dos mares,
as línguas do silêncio
nadam juntas no pó.
Ó cardápio em mim
onde sem pai naufrago:
és o que de Deus cabe
quando porto nenhum.
ALA OBSTÉTRICA
Sem centro ou cohab onde habite,
vivo a guitarrear teu sexo
como um pássaro hemorrágico.
Palavra de um só cadáver
para a selfie que é de dois
no céu inverso do umbigo.
Eternidade – este biombo
da garganta até o Hades
do vocábulo por dentro.
Eternidade – esta maca
no vazio a ser dos ossos
um deus nascendo da cloaca.
ENKIDU REVISITADO
Séculos de vitrais ganindo
sua chaga ambígua e recôndita;
séculos a arrojar de si
andrajos do orgânico aço
(O céu sucumbe sem mapa
quando da boca os animais
tornam navegável o abismo),
até que o vocábulo em trépano
rasgue os caibros da eternidade
no piscar de olhos de um morto.
NICODEMOS À NOITE
A água passa e resta a gente voltar ao Dia
em que as vacas espúrias flamejam nas pálpebras,
quando a perna suspende o azul no abrir do estábulo:
Morro! e resta em Deus o ganir dos eucaliptos.
INVENTÁRIO
Não tive ouro ou gado que me valha
neste pasto-imposto
cobrado à sanha de metralha.
(em vez de dólar dolo,
o duplo das vezes, fezes)
Não tive ouro ou gado que me valha
neste pasto feito excremento.
O silêncio atroz que me navalha
é tudo o que hoje ostento.
Ilustrações: One Word Photo
Kissyan Castro – poeta e pesquisador maranhense. Autor dos livros Vau do Jaboque (2005), Bodas de Pedra (2013), Maranhão Sobrinho – Poesia Esparsa (2015) Rio Conjugal(Ética, 2016) e O Estreito de Éden (2017). Tem poemas publicados em alguns sites e revistas como Germina e Portal de Poesia Ibero-Americana, de Antonio Miranda. Atualmente colabora no site www.barradocorda.com. Bacharel em Teologia, servidor público, membro efetivo da Academia Barra-Cordense de Letras e, nas horas vagas, professor de grego clássico.
E-mail: kissyancastro@hotmail.com