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Onze poemas de Daniela Maura

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1

O dedo indicador enterrado em meu umbigo

o umbigo engole a unha

nessa casa toda cavidade é uma ferida aberta

dos cinco cordões de uma mão quatro não tem raiz

a outra mão repleta de farpas

e quando sinto com os olhos são pelos

quando fecho os olhos tenho mais duas cicatrizes

quando você toca meus ossos sinto raiva

ninguém pode descobrir a hesitação escondida em ossos de creme

de tanto buscar reter o tempo

se não houver nenhum outro corpo ainda existe o um?



2

Um buraco do tamanho de um punho em minha coxa

Aberto como uma toca

Procuro o osso que deveria estar ali, só há uma parede lisa, úmida e

rosa guardando um ar frio

Tento com minha mão larga preencher esse vazio

Como se pudesse colher o vazio como uma flor e fechar a pele sem cicatrizes

A boca desse buraco arranha minha mão

Boca com pele bem acabada como enxoval bordado com

renda e cabelos






3

uma máscara poço

bem no fundo da máscara um espelho reflete um pequeno pedaço de gelatina de céu e nele não encontro os meus olhos

nesse chão enterrei memórias guardadas em caixas de todas as formas cada uma em profundidades diferentes

sobre algumas nenhuma planta nasceu

uma delas virou semente um grande pé de esquecimento

em outra o caule pensou ser raiz

as arestas de algumas caixas ferem o escuro

estou à procura das caixas

ao revolver toda a terra reconfiguro uma nova face

a primeira face azul do céu


4

sinto um movimento em meu peito

uma matilha de sombras todas as sombras que de mim se desprenderam somadas

cada uma pensando ser corpo em combustão

uma delas sobe garganta acima e escurece meu rosto

enquanto um alecrim tenta florescer meu peito

se eu encontrar a sensação de menina que vê um olho d’água pela primeira vez

me liberto do abraço da aranha que tem mãos de homem






5

estou no corredor de casa

uma ferida aberta no céu azul revela

o espaço e a escuridão

sinto medo de cair céu acima

uma voz me conta segredos

e quando ouço explicações meus pés seguram o chão

a carne rente às unhas queima

procuro desesperadamente por qualquer rosto

não tenho mãos

não consigo me mover

corpo é apenas uma palavra



6

gosto de colar uma nova pele sobre o rosto e redesenhá-lo

das mil peles a melhor foi o escuro

meu corpo

é passagem para o vazio

continente que é caminho para o tempo

encadernação de imagens que escorrem de uma página à outra escorrem como quando sinto uma memória com os pés de abraçar com os dedos água quente pedaço de chão e terra

cada trecho de pele tem um olho e um pensamento que calam mas que insistem em desenhar





7

quando vejo meus olhos

em frente ao espelho

lembro-me de outro

em rosto de mulher

olhos de homem velho

que fede como um porco



8

quero gastar seu rosto na parede como giz

pelos desenhos desfazer o corpo

uma parte de mim são linhas de pó

outra é um pouco que cai no chão

rosto plano será a primeira parede de minha casa



9

o que carrego dentro não tem nome

não consigo sequer fixar dele uma forma

sei que é homem, esse escuro, informe e pulsante

não sei se sombra ou fosso

sinto dentro migrando do peito ao estômago

e às vezes fora me perseguindo como em tempestade

pulsa como um corpo insano aprisionado em um casulo preto, de malha que cede a todo movimento constante como em uma luta com o espaço vazio outras vezes é tudo isso mas feito fumaça


10

uma figura em pé ou sentada se dobrando encosta a cabeça na própria barriga pensando sentir as memórias que ainda não são nem imagem nem palavra ao contrário vê através de um corpo traspassado o mundo



11

em minhas veias corre multidão de homens sombras, oro para que não cesse seu movimento, escuro inquieto por isso meu sangue é vermelho, quero alvejar as sombras sem perder o vermelho, unindo a chama do sacro à do coração cozer uma legião




Gosto da carne,

dos pequenos corpos que tomam esse sem medida

sentido às vezes tão pequeno

gosto

como asfixia um bando que o habita

como as partes  que se enroscam

como a pele que cobre frágil

como um toque que fere

como o interno estronda

como a carne

lembra

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