1
O dedo indicador enterrado em meu umbigo
o umbigo engole a unha
nessa casa toda cavidade é uma ferida aberta
dos cinco cordões de uma mão quatro não tem raiz
a outra mão repleta de farpas
e quando sinto com os olhos são pelos
quando fecho os olhos tenho mais duas cicatrizes
quando você toca meus ossos sinto raiva
ninguém pode descobrir a hesitação escondida em ossos de creme
de tanto buscar reter o tempo
se não houver nenhum outro corpo ainda existe o um?
2
Um buraco do tamanho de um punho em minha coxa
Aberto como uma toca
Procuro o osso que deveria estar ali, só há uma parede lisa, úmida e
rosa guardando um ar frio
Tento com minha mão larga preencher esse vazio
Como se pudesse colher o vazio como uma flor e fechar a pele sem cicatrizes
A boca desse buraco arranha minha mão
Boca com pele bem acabada como enxoval bordado com
renda e cabelos
3
uma máscara poço
bem no fundo da máscara um espelho reflete um pequeno pedaço de gelatina de céu e nele não encontro os meus olhos
nesse chão enterrei memórias guardadas em caixas de todas as formas cada uma em profundidades diferentes
sobre algumas nenhuma planta nasceu
uma delas virou semente um grande pé de esquecimento
em outra o caule pensou ser raiz
as arestas de algumas caixas ferem o escuro
estou à procura das caixas
ao revolver toda a terra reconfiguro uma nova face
a primeira face azul do céu
4
sinto um movimento em meu peito
uma matilha de sombras todas as sombras que de mim se desprenderam somadas
cada uma pensando ser corpo em combustão
uma delas sobe garganta acima e escurece meu rosto
enquanto um alecrim tenta florescer meu peito
se eu encontrar a sensação de menina que vê um olho d’água pela primeira vez
me liberto do abraço da aranha que tem mãos de homem
5
estou no corredor de casa
uma ferida aberta no céu azul revela
o espaço e a escuridão
sinto medo de cair céu acima
uma voz me conta segredos
e quando ouço explicações meus pés seguram o chão
a carne rente às unhas queima
procuro desesperadamente por qualquer rosto
não tenho mãos
não consigo me mover
corpo é apenas uma palavra
6
gosto de colar uma nova pele sobre o rosto e redesenhá-lo
das mil peles a melhor foi o escuro
meu corpo
é passagem para o vazio
continente que é caminho para o tempo
encadernação de imagens que escorrem de uma página à outra escorrem como quando sinto uma memória com os pés de abraçar com os dedos água quente pedaço de chão e terra
cada trecho de pele tem um olho e um pensamento que calam mas que insistem em desenhar
7
quando vejo meus olhos
em frente ao espelho
lembro-me de outro
em rosto de mulher
olhos de homem velho
que fede como um porco
8
quero gastar seu rosto na parede como giz
pelos desenhos desfazer o corpo
uma parte de mim são linhas de pó
outra é um pouco que cai no chão
rosto plano será a primeira parede de minha casa
9
o que carrego dentro não tem nome
não consigo sequer fixar dele uma forma
sei que é homem, esse escuro, informe e pulsante
não sei se sombra ou fosso
sinto dentro migrando do peito ao estômago
e às vezes fora me perseguindo como em tempestade
pulsa como um corpo insano aprisionado em um casulo preto, de malha que cede a todo movimento constante como em uma luta com o espaço vazio outras vezes é tudo isso mas feito fumaça
10
uma figura em pé ou sentada se dobrando encosta a cabeça na própria barriga pensando sentir as memórias que ainda não são nem imagem nem palavra ao contrário vê através de um corpo traspassado o mundo
11
em minhas veias corre multidão de homens sombras, oro para que não cesse seu movimento, escuro inquieto por isso meu sangue é vermelho, quero alvejar as sombras sem perder o vermelho, unindo a chama do sacro à do coração cozer uma legião
Gosto da carne,
dos pequenos corpos que tomam esse sem medida
sentido às vezes tão pequeno
gosto
como asfixia um bando que o habita
como as partes que se enroscam
como a pele que cobre frágil
como um toque que fere
como o interno estronda
como a carne
lembra