PERIGO DE VOO
Que eu converta água e seu dourado sonho...
minha língua, a pintura do beijo,
a curva descendente do pescoço, a ascendente dos seios.
Um esboço vermelho, o risco da tinta
afogueando os olhos...
Um feixe de amarelos queixosos, pendurados
nos cabelos de uma deusa muito antiga.
Um perigo de vida, de voo, arquétipo louco
iluminando a sala, no fundo do espelho,
nos traços de um quadro, no som do esqueleto,
chocalhos e ancas. Um ventre de Lilith, olhos de Igrat...
e possa te enlaçar com pernas e ramas,
te trazer pra dentro
de uma lua cheia que sufoca em mim.
minha língua, a pintura do beijo,
a curva descendente do pescoço, a ascendente dos seios.
Um esboço vermelho, o risco da tinta
afogueando os olhos...
Um feixe de amarelos queixosos, pendurados
nos cabelos de uma deusa muito antiga.
Um perigo de vida, de voo, arquétipo louco
iluminando a sala, no fundo do espelho,
nos traços de um quadro, no som do esqueleto,
chocalhos e ancas. Um ventre de Lilith, olhos de Igrat...
e possa te enlaçar com pernas e ramas,
te trazer pra dentro
de uma lua cheia que sufoca em mim.
SE SOU LOUCA
Foi um salto.
Sem impulso. Apenas abri os braços, fechei os olhos e saltei.
Mas, foi pro alto, caminho inverso.
Se sou louca de me aventurar assim,
Sem impulso. Apenas abri os braços, fechei os olhos e saltei.
Mas, foi pro alto, caminho inverso.
Se sou louca de me aventurar assim,
sem redes de proteção, sem volta, sem ar ou asas,
mais ainda é você, que me viu saltar e abriu o peito,
sabendo que eu saltaria pra dentro de você.
LEGADO
É pra você que vou deixar o meu legado.
Alma escarlate e cabelos aluados.
Uma risada entre a noite e o silêncio dela,
uma ave noturna que vigia minha cama.
Um salto, onde não se vê o fundo.
Meu trapézio enfeitado de fitas.
O balanço onde a criança ainda inverte o mundo.
As flores do jasmineiro, mas apenas o perfume.
E as de café, brancas, luminosas.
Um gato que se enrosca em meu pescoço.
Um fogo que não se apaga, um setembro.
A lua que faz ninho no meu ventre.
O beijo que não dei, num camafeu de vidro.
Um céu de pernas pro ar desde nascido.
Toda a minha poesia, torta e desabrida.
O fumo, o lençol vermelho guardador de lágrimas.
O rio... a praia... onde me deito e abro as pernas
pra água e céu e vento e maresia
ouvindo seu chamado, corpo inteiro.
SALTOS DE VIDRO II
Há uma renovação em tudo, uma virgindade avassaladora.
E toco o dia com medo de enodoar o branco do broto,
do germe que me apresenta
o que, há pouco, ainda não era, mas já havia.
O mundo recém parido pelas águas do Tempo.
Salgam meus olhos essas marés que me atiram sobre as escarpas.
A lua, com seus saltos de vidro me trespassou ainda agora.
O sol cobre as chagas, mas de chamas.
E os dois, com suas bocas de fome, me devoram.
Hoje eu te amei ali, onde o mundo começou de novo.
Um novo, ou renovado, ou renascido, trazido, não do mar,
mas pelo rasgo revelado no sol.
Um talho, uma fenda na aurora.
Recomeçado no frescor do dia, descabido em sua plenitude.
Vazou do sol pra meu coração. De novo.
FINITA
Atravesso a canícula do dia
longa, debulhada como espiga de saliva.
O nome repousa imóvel e ensurdecedor.
Algoz no corpo de água,
abre com fina lâmina de ausência
a ferida que macero, cubro de folhas vivas.
É uma agonia revestida de chamas,
de grandes escadas de breu.
As confissões dos que amam são preces
ao Tempo. São curas, unguentos.
Enfio uma camisola de preces
e me cubro pra ser nítida,
assombração e aguaceiro.
Sou finita, entre os que findam.
E te amo – carne e termo,
Entre os que perenemente amam,
arrisco mais fundo... mais fundo.
Pra te encontrar de vez
no que não finda.
ESCOLHA
Prefiro me perder a acreditar em deuses mortos e demônios vivos.
Tudo de ruim que vive em mim,
entrelaçado com tudo de bom,
acredita no amor que sou.
Eu sou. Um amor tão bonito quanto qualquer outro,
mas demente, desmedido, talhado a fogo,
escrito no improvável.
Múltipla, todas de mim se engalfinham,
se aninham, discordam, harmonizam,
bebem da mesma taça a mesma possibilidade de beijo,
o mesmo desejo que contorce e rompe e inteiriza.
Numa paisagem por vezes medonha,
escalo meus medos, mudo de endereço, me arrisco.
Deixo o amor como esqueleto externo, fratura exposta.
Escolho arrebentar todas as veias,
continuar a viver no meu barco fantasma,
chorar até sentir a morte perto.
Não pretendo morrer suavemente,
sem danos, seca e coberta do pó do desamor.
Prefiro me perder a acreditar em deuses mortos e demônios vivos.
Tudo de ruim que vive em mim,
entrelaçado com tudo de bom,
acredita no amor que sou.
Eu sou. Um amor tão bonito quanto qualquer outro,
mas demente, desmedido, talhado a fogo,
escrito no improvável.
Múltipla, todas de mim se engalfinham,
se aninham, discordam, harmonizam,
bebem da mesma taça a mesma possibilidade de beijo,
o mesmo desejo que contorce e rompe e inteiriza.
Numa paisagem por vezes medonha,
escalo meus medos, mudo de endereço, me arrisco.
Deixo o amor como esqueleto externo, fratura exposta.
Escolho arrebentar todas as veias,
continuar a viver no meu barco fantasma,
chorar até sentir a morte perto.
Não pretendo morrer suavemente,
sem danos, seca e coberta do pó do desamor.
Prefiro me perder a acreditar em deuses mortos e demônios vivos.
SENHOR DAS ÁGUAS II
O corpo é tão mais vivo quando correnteza.
E eu te dei o dom, senhor das águas,
de infinitamente navegar-me.
E ficas sobre as pontes, quase findas,
carcomidas do gelo das esperas.
E ficas, mirando a superfície.
Jamais dentro das grandes aguadas,
junto aos pássaros submersos
que guardam os fogos do coração.
Nas bordas, apenas espelhada,
entre vida e sono, apenas parte,
essa de mim que não sou eu inteira.
Daqui molho teu rosto, saborizo as papilas.
Aspergindo, quero, com enorme boca de líquidos,
te tragar pra mim em corpo e alma.
Que me navegues, senhor das águas,
no mais profundo segredo das marés,
longe das margens, numa fina rede de seda,
onde vida e morte se engalfinham
e no fundo, entranhas de água,
uma é quase a outra
e se permeiam. E fazem amor,
meu senhor das águas.
E eu te dei o dom, senhor das águas,
de infinitamente navegar-me.
E ficas sobre as pontes, quase findas,
carcomidas do gelo das esperas.
E ficas, mirando a superfície.
Jamais dentro das grandes aguadas,
junto aos pássaros submersos
que guardam os fogos do coração.
Nas bordas, apenas espelhada,
entre vida e sono, apenas parte,
essa de mim que não sou eu inteira.
Daqui molho teu rosto, saborizo as papilas.
Aspergindo, quero, com enorme boca de líquidos,
te tragar pra mim em corpo e alma.
Que me navegues, senhor das águas,
no mais profundo segredo das marés,
longe das margens, numa fina rede de seda,
onde vida e morte se engalfinham
e no fundo, entranhas de água,
uma é quase a outra
e se permeiam. E fazem amor,
meu senhor das águas.
TEMPO E INVERNO
E te alcançarei, enfim fora de mim,
nas folhas frias, de ressequidos veios,
tomadas pelo ouro, rasgadas de inverno,
cobertas de indiferente orvalho.
Sem cuidar da diferença entre a hora
e o tempo que corre nela.
nas folhas frias, de ressequidos veios,
tomadas pelo ouro, rasgadas de inverno,
cobertas de indiferente orvalho.
Sem cuidar da diferença entre a hora
e o tempo que corre nela.
Galeria: Claire Jean
Rosa Maria Mano publicou seu primeiro livro, em São Paulo, uma coletânea de poemas sob o título Fruto Mulher, com outras poetas. Em 1983, Xamã, primeiro livro de poesias, individual. Com capa de ElifasAndreato e prefácio de Antonio Houaiss. Participou da coleção Passe Livre, da Cia. Ed. Nacional, com o título Três Marias e um Cometa. Desta coleção participaram nomes como Pedro Bloch, Helena Silveira, Josué Guimarães, Fausto Wolff, Moacir Scliar, entre outros. Também: O Gato, Conto , 1998, D.O. Leitura, São Paulo; Coletânea Prêmio SESC de Poesia, 2000, Editado pelo SESC, Rio de Janeiro; Vento na Saia, poesia, 2015, eBookAmazon/Kindle; Manuscritos de Areia, 2017, pela Coleção Marianas, Ed. Marianas Edições/Bolsa Livro, Curitiba. Premiada no Concurso de Poesia do SESC, Rio de Janeiro, 1999, tendo A Lua Negra em primeiro lugar na fase municipal (Teresópolis) e segundo na premiação final, na cidade do Rio de Janeiro. Ainda, segundo lugar em Teresópolis com Re(s)cendência, no mesmo concurso. Vencedora do I Concurso de Escrita Criativa, nas três categorias, Editora LiberUm, 2016. Esses poemas pertencem a Lábios-Mariposa lançado em 2017 pela Editora Singularidade.