![]() |
Ilustração: Eren Cevik |
Caminhar
Melhor só caminhar
a refletir sobre o laço
da convivência
bom conselho o silêncio
Ao se expor
num euteamo
sujeita-se a penar mais
desfaz a armadura
pode morrer
peito exposto
espada na bainha
coragem desenfreada
galo dentro de rinha
tremura no passo
desvia o caminho
barco encalha na lama
no porto sombrio
dessa fala em chama.
Dor ou remédio
A verdade
não faz bem
não cede às súplicas
desarranja a consciência
De longe
premedita vinganças
borrifadas de
arrogância
cheiro de esgoto
cor de sangue
De longe
oferece liberdade
A mentira
é mão mansa
estendida
acaricia ferida que arde
De perto
põe sabor
nas papilas
passa rasoura
nos caroços da convivência
Bem de perto
manto assistencial
aplaca a tormenta
da verdade furiosa.
Relicário
(...)
ecoa pelos ares
esta memória de eterno
presente.
Nathan Sousa
Conselhos são bem-vindos
mas não acredita
em predestinação
Ocupa-se de
calcular a idade
de objetos preciosos
e o átimo aproximado
em que circunstâncias
alteraram seus formatos
originais
Manuseia
cada peça
como se fosse
joia fina
seu coração
amores idos
juventude reencontrada
Cataloga em fichas
com esmerada técnica
de observação
os detalhes da existência
As lacunas são retocadas
com metodologia antiga
imaginação
Cogita que anda
para trás
o tempo
que
adiante tem
medida curta
Não se ressente
em deduzir que
a eternidade está na memória
viver é por enquanto.
Ao norte
Por um tempo
está perdido
mata densa
trilhas incertas
açoites de cipó
árvores gigantescas
copas frondosas
vê o sol por frinchas
Por um tempo
chuça peixes
come a caça
estira o couro
segue rio
extenso
sem perceber
a distância
Por um tempo
desfaz armadilhas
seca feridas
unta cicatrizes
concilia-se consigo
velho inimigo
reconhece o vermelho
na ponta da agulha.
Guinada
Segue firme
linha reta
trilhos contíguos
trem canta
seu ronco
anuncia choroso
povoado fica
saudade vai
Trilhos contíguos
segue firme
linha reta
seu balanço
conta dormentes
ilusões remotas
novas notícias
próxima estação
Linha reta
trilhos contíguos
segue firme
ri sozinho
freio solto
espera ansioso
curva acentuada
brusco descarrilar.
Estraido de "Sobre essa esfera suspensa" (Penalux, 2016).
Sérgio Aral nasceu em São Paulo, onde reside. Participou das coletâneas Retalhos (Andross, 2007) e Hiperconexões: realidade expandida (Patuá, 2017) e é autor dos livros Até a esquina e meia-volta (2010), de contos, e Sobre essa esfera suspensa (Penalux, 2016), de poesia.