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5 poemas de Sérgio Aral

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Ilustração: Eren Cevik


Caminhar

Melhor só caminhar
a refletir sobre o laço
da convivência
bom conselho o silêncio

Ao se expor
num euteamo
sujeita-se a penar mais
desfaz a armadura
pode morrer

peito exposto
espada na bainha
coragem desenfreada
galo dentro de rinha

tremura no passo
desvia o caminho
barco encalha na lama
no porto sombrio
dessa fala em chama.


Dor ou remédio

A verdade
não faz bem
não cede às súplicas
desarranja a consciência

De longe
premedita vinganças
borrifadas de
arrogância
cheiro de esgoto
cor de sangue

De longe
oferece liberdade

A mentira
é mão mansa
estendida

acaricia ferida que arde

De perto
põe sabor
nas papilas
passa rasoura
nos caroços da convivência

Bem de perto
manto assistencial
aplaca a tormenta
da verdade furiosa.


Relicário

(...)
ecoa pelos ares
esta memória de eterno
presente.
Nathan Sousa


Conselhos são bem-vindos
mas não acredita
em predestinação

Ocupa-se de
calcular a idade
de objetos preciosos
e o átimo aproximado
em que circunstâncias
alteraram seus formatos
originais

Manuseia
cada peça
como se fosse
joia fina
seu coração
amores idos
juventude reencontrada

Cataloga em fichas
com esmerada técnica
de observação

os detalhes da existência

As lacunas são retocadas
com metodologia antiga

imaginação

Cogita que anda
para trás

o tempo

que
adiante tem
medida curta

Não se ressente
em deduzir que
a eternidade está na memória

viver é por enquanto.


Ao norte

Por um tempo
está perdido
mata densa
trilhas incertas
açoites de cipó
árvores gigantescas
copas frondosas

vê o sol por frinchas

Por um tempo
chuça peixes
come a caça
estira o couro

segue rio
extenso
sem perceber
a distância

Por um tempo
desfaz armadilhas
seca feridas
unta cicatrizes
concilia-se consigo
velho inimigo

reconhece o vermelho
na ponta da agulha.


Guinada

Segue firme
linha reta
trilhos contíguos

trem canta
seu ronco

anuncia choroso

povoado fica
saudade vai

Trilhos contíguos
segue firme
linha reta

seu balanço
conta dormentes
ilusões remotas
novas notícias

próxima estação

Linha reta
trilhos contíguos
segue firme

ri sozinho
freio solto

espera ansioso
curva acentuada

brusco descarrilar.


Estraido de "Sobre essa esfera suspensa" (Penalux, 2016). 


Sérgio Aral nasceu em São Paulo, onde reside. Participou das coletâneas Retalhos (Andross, 2007) e Hiperconexões: realidade expandida (Patuá, 2017) e é autor dos livros Até a esquina e meia-volta (2010), de contos, e Sobre essa esfera suspensa (Penalux, 2016), de poesia.




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