os pés do pai nunca compreenderam
porquê é preciso perdoar o chão
quando sobre o corpo baldio
este sabe o que faz
tenho uma única reza
para os olhos do pai
eles secarão quando esquecerem
para aonde vão os artefatos
de sarar o sol desta manhã
mesmo com os olhos secos
o pai não conduzirá todos os testemunhos
suas unhas estão sujas
[ pelo que há de mais palimpsesto ]
na tristeza de deus. para homens e mulheres tristes
***
os sermões, desde a barbárie
modificaram a cidade
forjaram a lembrança pelo nome
& teceram os andarilhos olhos do pai
que não dissiparam lugar nenhum
aqueles mesmos olhos
[ recolhidos a variação do ventre ]
cresceram sobre a tensa delicadeza
de espreitar o tátil instrumento
feito de ferrugem nas mãos
foi na fome pela tarde
que o pai e sua cicatriz platibanda
improvisaram o sinônimo: deserto
para o coração da infância
que ainda não sabe nomear
o crescente vazio das fotografias
no gesto de documentar horizontes e desprezos.
a todo momento maria sorrir
ao gesto de comutar as coisas
numa fotografia
em que ela e outras mulheres
estão com dialogismo nos olhos
penso na fotografia com longas elaborações
ela mesmo me obriga
a colocar na boca de deus
mais perguntas onde espero
menos respostas possíveis
& maria, as vezes, não se desdobra
a ser um tecido além da imagem
todos os dias compreendo
o quanto é difícil
carregar um abismo nos olhos
e mais denso dentro de mim
uma solidão com voz de abandono.
***
já não incomoda mais
a maneira como maria
& os sentidos dos abismos
[ ela pesada de silêncio
eles tarefas dos abandonos ]
forçam o pertencimento do espaço
maria não sabe soletrar a palavra: razão
os abismos desejam a verdade dos rios
mas é maria quem fabrica fendas
pois o aroma verbal dela
é fazer túmulos no jardim
para manhãs de solidões.
***
toda a aflição de maria
estava no objeto indefinido
imbricado um pouco antes da idade
em seu coração de sombras
& túmulos no jardim
maria, sem sentir selvagens raízes,
[ que envelheceram injustas manhãs ]
atravessou a dormência das rezas
dói ir ao vazio
onde habita a sentença
de forjar solitários trópicos
enquanto todos desfraldam seus desesperos
isso ela só entendeu
depois de tropeçar nas santas mãos de deus
repleta de medo e a concepção de orvalho.
Poemas do livro "O tumulto das flores", vencedor do Prêmio Nacional de Literatura FCP 2017, na categoria Poesia, promovido pela Fundação Cultural do Pará. O livro será publicado pela Fundação Cultural do Pará como parte da premiação.
Galeria: David/deviantART
Airton Souza é poeta. Vencedor de diversos prêmios literários, entre eles: Prêmio Proex de Literatura, promovido pela Universidade Federal do Pará – UFPA, 5º Prêmio Cannon de Poesia, Prêmio LiteraCidade de Poesia 2013, Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura 2013, IV Prêmio Proex de Arte e Cultura, com o livro de poemas manhã cerzida, III Prêmio de Literatura da UFES, promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo, com o livro de poemas Cortejo & outras begônias, Prêmio Nacional Machado de Assis, promovido pelo Canal 6 Editora, 1º Lugar no Prêmio LiteraCidade Prosa 2014, 1º Lugar no Prêmio Gente de Palavra 2017, organizado pela Editora Litteris, de São Paulo, 5º SFX de Literatura 2017, Prêmio Carlos Drummond de Andrade 2017, promovido pelo Sesc de Brasília, I Prêmio CAPT de Literatura 2017, obteve ainda menção honrosa no Prêmio Letrinhas do Brasil, com o livro infantil Os dias dentro da saudade, foi finalista no Prêmio Kazuá de Literatura 2016, com o livro um acenos aos girassóis e só em 2017 esteve entre os vencedores de mais de vinte prêmios literários, entre os quais: 1º Lugar no Prêmio de Poesia Cruz e Sousa, promovido pela Editora Do Carmo, de Brasília, o Prêmio Vicente de Carvalho, da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, com Menção Especial concedido ao livro crisântemos depois da ausência, o Prêmio da Academia Ferroviária de Letras, o Prêmio da Academia Paraense de Letras, nas categorias ensaio e poesia e o Prêmio Nacional de Literatura da Fundação Cultural do Pará, com o livro o tumulto das flores. Atualmente é mestrando de Letras, pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.