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Colagem de Júlia Vita |
Uma crítica é uma fissura
a poesia fístula.
é pelas fendas que se vive e morre:
primeiro desista da palavra força
um corpo-fêmeo sendo resistente seria facilmente destruído por quebradiço.
uma alga viva: alguém mete as mãos e ela foge. ou ela gruda e sentem nojo.
exercita-se o drible: algo esbarra, se desvia. ou abre-se os buracos para que passem.
seja peixe porém não morda isca:
uma resistência pressupõe um movimento de preservação - um lado contra o outro.
um corpo-fêmeo não está alocado em um lado, não possui algum outro-lado onde se colar;
sequer possui lado. há que se preservar o quê? sua preservação é nula salvo sua própria vida -
e vida não se preserva, definha.
Alargo as brechas e escrevo que um útero é do tamanho de uma porta
num momento em que o chamam ao levante pelas mídias de guerra. Pelas
alternativas às grandes mídias da guerra, as alternativas que conservam o método
de mídia: um útero é do tamanho de um punho, disse Angélica.
Disse Barthes: o prazer vem das rupturas. nem a cultura nem a sua destruição são eróticas; é a fenda entre uma e outra e a perda.
Testando meu jornalismo:
Angélica Freitas, poeta gaúcha natural de Pelotas - 40 e poucos anos -, mulher lésbica e feminista. Autora de dois livros - sendo o primeiro Rilke Shake -, teve em 2017 seu Um útero é do tamanho de um punho (2012) relançado por uma grande editora brasileira e outra portuguesa.
Cinco anos atrás, a poeta que também é jornalista, surpreendia-se com as críticas neutras que não davam o direito da existência do tom de feminismo que seu livro objetivava ter. Apesar disto, várias negativas provaram o desconforto masculino com sua poética urgente. O título que por si só já é uma marcação empoderadora, mostra a que veio: machistas não passarão.
Acompanhando a autora e a recepção atual do livro em relançamento, é perceptível a facilidade de renovação dos significantes trazidos a partir do título: ora atual que se resista, ora atual que se fora temer, ora atual que não se depile, ora atual que se ocupe, ora atual que não se censure, ora atual que se denuncie. Sempre atual literatura de mulher. Sempre atual que mulher lésbica e feminista resista.
Em 2016 foi possível assistir nas mídias sociais as campanhas ora meu amigo secreto, ora meu primeiro assédio, ambas despontadas por uma moça Juliana dona de uma empresa de estratégias publicitárias para público feminino.
Meu jornalismo não se conclui, portanto. O que digo na Angélica – com seu discurso pós livro e com seu Útero enquanto fenômeno - é que um útero permanece sendo apenas um útero, uma pomba uma pomba e os evangélicos apenas evangélicos. Evangélicos não são apenas evangélicos. O livro se cola na cultura do slogan identitário e na noção de que há literatura de mulher, produto, assunto para mulher e afins. Angélica narra fatos. Por vezes utiliza artifícios criativos que se findam meros artifícios quando não se trabalha o rigor do motivo: um google apenas um google.
A poesia é o problema para os problemas – se produzindo na brecha da estruturação comum da comunicação. Uma narração com fim em si mesma não produz delírios e é este o caso quando equivocadamente interpretam Um útero e outros como “poesia do cotidiano”.
Quando as palavras são conceitos e as coisas conceptáculos, o artista, poeta, desloca os conceitos sobre os objetos, manejando a vida das coisas que possuem vida por direito. E não-diz, garantindo o inacabamento da produção de sentidos. Um útero é do tamanho de um punho em acontecimento reorganiza o ordenamento das frases, de maneira útil e funcional, mantendo a tendência informativa da comunicabilidade (em ordem). É a resistência enquanto preservação dos pilares das linguagens. Frases se explicam, se justificam, se desculpam. Não desejam. A escritura frui. Sem preservar, como frui sem preservar a tesoura do sexo lésbico.
Era um evento temático, uma livraria lotada:
repita comigo 7 jargões em riste.
O método de mídia acolhe a produção artística in commodities produtora dos fetiches. A armadilha urbana dos novos tempos pega suas presas pelos dedos, olhos e desejos. Alguém vende, então, a matéria base da liberdade. As tripas selvagens são os instantes - quando tudo é cultura salvo nosso presente.
Revisão: André Sousa
Imagens: Capa do livro Um útero é do tamanho de um punho (Angélica Freitas, Cia das Letras, 2017) e Explosão dos movimentos sociais (Júlia Vita, vídeo, 2017)
Queridas poetas lésbicasJúlia Vita (1995) é poeta e artista nascida em Niterói, a cidade onde atualmente reside. Em suas práticas atuais estão "Trabalho doméstico"- processo performativo constante- e o "pesca.nºEu", projeto poético de palavras políticas em montagem, discurso de mídia e identidades. Possui poesias publicadas na revista mexicana La Crítica, manuscritos no Poema do Poeta - onde passou a compor a edição – e traduções na Liberoamerica, onde também colabora. Um grande escopo pode ser lido em seu blog Versoando e em seu próprio Facebook, onde dispara escrituras e outros gestos artísticos que encontram potência de contexto. Vídeos podem ser vistos no Vimeo.