O fim está adiado e a poesia está bem distante da carne, a palavra na boca do poeta é baldia, solta, não tem amarras e não obedece a convenções. Seus versos estão fartos do lirismo comedido,funcionário padrão. A crueza aqui nos é apresentada na medida certa do atrevimento. Paulo dialoga com a morte e pasma-se com a vida, deixando sua poesia banhar-se no chão e nas mesas de bar:
“A palavra/Sem cerimônia/farta-se/come no chão
Esconde-se/ em bolsos sujos./(palavra de aluguel, p.29)
Adélia Pradodefende que tudo aquilo que precisa nascer tem raiz em chão de casa velha. Pignanelli apresenta-nos uma poesia urbana em constante diálogo com a terra, o interior. Essa coesão está bem plantada e pode ser sentida ao longo do livro. No poema Arte Viva, uma pomba morta no chão é retratada como obra aberta; já no poema Composições, o pouso dos pássaros em cabos elétricos é retratado como pautas estendidas. Mas a simbiose entre urbe e campo atinge seu ápice na poesia Canto Seco, quando o canto do anu é substituído pelo alarido do homem.
...Hoje a cantoria do homem/é o mercado das coisas/corrido de mau humor/
Valores altos/ se levantam a cada oferta/no desespero dos operadores/. (Canto Seco, p.70)
O leitor se reconhece neste poeta, afinal ele é um desaforado, um eterno inconformado com a precariedade do mundo. Quem hoje não olharia as estrelas com dúvidas? Quem não cuspiria aos céus? A poesia contemporânea que Pignanelli nos apresenta é extremamente crua e real, apressada ela anda pelos bares, procura por bocas sujas, alimenta-se de incertezas e caminha só.
Embora/ o sol /o caminho é/ só. (Destino, p.84)
Os olhos sujos/ no encalço da estrela/que lhe tirasse a dúvida/
Contrariado/cuspiu/contra o céu/
Apressado enveredou/ pelas ruas/antes que um raio/ lhe caísse em cima/.
Em seu primeiro livro de poemas, Paulo Pignanelli traz uma coletânea que transita entre o satírico e o onírico, a metafísica e o ethos também aparecem frequentemente nos poemas, ora como força intrínseca da natureza, ora como um membro humano em sua relação com o tempo.
O poeta em sua majestosa relação com o tempo soube dar ao livro um fôlego muito interessante, em várias passagens vozes bem distintas se transfiguram em sublimes personificações:
O desencanto das flores/ é assistirem à passagem/ alegre dos rios/
Algumas se atiram às águas/ Enraizadas/ outras assobiam tristezas/ ao vento/ (Ciliares, p.17)
A pintura do tempo e a reverberação do instante foram pintadas no poema Impreciso: meticulosamente, vemos pescadores descendo a rede, enquanto o sol se recolhe numa sala. Esta sala, minha sala, sua sala: o mundo.
No instante/em que as mãos soltam as redes/sobre as águas/
O sol recolhe/ os raios/ no retângulo da sala./ (Impreciso, p.20)
Gosto de Osso, que antes se chamaria Poemas Indelicados traz uma relação peculiar com a Morte: neste livro, osso é coesão instável, é incerteza. Seus versos defendem que se devolvam as conchas ao mar e que enforcar-se é tirar o ar do amor. Nua e desprendida sua poesia quer antes a dor resignada , pois sabe que o diabo não mata, mas aconselha; calmamente.
Todo dia/Tiro leite/Das perdas./ (Cotidiano, p.90)
Gosto de Osso, Paulo Pignanelli (Editora Singularidade, 2017)
Adri Aleixoé poeta e professora de Linguagens.
Paulo Pignanelli, arquiteto e urbanista, mestre em Estruturas Urbanas e Ambientais pela Universidade de São Paulo, publica há alguns anos em blogs, revistas eletrônicas como Germina, Mallamargens, Editora da Tribo e redes de internet, lançou em setembro desse ano o livro de poemas Gosto de Osso.