Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

6 poemas de Luiz Carlos Quirino

$
0
0



Geografia da derrota

Tenho as
costas curvadas
e marcas no cenho
um desenho
como uma
espécie de mapa
que registra a geografia
dos lugares por onde não passei
porque desprovido dos meios
não pude chegar
e ele se expande
na proporção da vida
e o peso é demasiado
solitário – num
caminho árido
despovoado.


Navalino

a adaga da maldade
tem quatro faces
de afiadíssimo fio,
fases da lua ocultas
na bainha da nublagem
de um céu púrpura
em fim de tarde.

abrigada sob a roupa, incisa a pele,
feito semente de erva daninha,
germina – arde.

a planta da maldade
é uma adaga
de raízes plúmbeas,
entra fundo na carne
crua – expondo a seiva
que  jorra da corrente
sanguínea.

o sangue cega a lâmina que investe
contra uma árvore seca. 
  
Carvão

dragões de lata saciados
                               percorrem
o enosado desenho das ruas.
sem começo nem fim,
apenas um nó corrediço
a estrangular o caminho
enquanto corvos dançam,
entre nuvens de prata escura,
parecendo andorinhas.
incendeiam a si mesmos
ao tocar o sol,
despencando e
se espalhando pelo chão
como cartas queimadas depois de lidas.
o horizonte é carvão,
o que resta das casas
e edificações inabitadas.
espessa fumaça cinzenta
que defuma os rejeitos da cidade:
cadáveres de asas quebradas –
alguns ainda se debatem.


Resultado de imagem para artista plástico francisco juliá

Lume 

Não tenho nada
além de uma débil esperança queimando
numa lamparina quase vazia,
chama cansada que lança uma indefinida sombra contra a parede. 
O movimento do ar alimenta a claridade 
– enche meus pulmões –  
enquanto me apaga.
O ar é duro.
A chama,
fraca.


O que não é

Um poema não é
a Lâmina da guilhotina
suspensa sobre o
pescoço do tirano
não é um molotov –
nem a vidraça partida –
tampouco, um tratado
sobre o capital financeiro
ou a Primavera Árabe 
Provavelmente
apenas uma faísca
                         algures
na noite mais escura
de um homem perdido
faminto de tudo
que abocanha a terra
na intenção de matar a fome
ou matar-se – quem sabe?
E este homem está só –
grita – a única resposta obtida
é seu próprio eco
não se dá conta de que
está preso
na cratera deixada
pela explosão
abandonado
pela espécie
E ele tenta inutilmente
construir uma escada
mas o poema – desde o início
manteve suas mãos atadas
                                às costas
reiteradamente ele caiu
com o rosto no lodo
as mãos eladas
 – no entanto –
o protegeram – e o  lodo
o salvou da cegueira.


Alucinação

Antes
Houve um céu azul.
Hoje,
Sobre nossas cabeças,
Só uma massa
                  Sonolenta e cinza.
Que se torna negra
À medida que encontra as águas
                               Adormecidas.
Por onde navagueiam
Sonâmbulas vitórias-régias
De sacolas de supermercado
E jacarés
De dentes enferrujados.

Por cima delas salta um índio
                                        Nu.
Tensionando seu arco,
Persegue um animal impossível.
Alucinado,
Em meio à selva
De malocas de compensado e zinco.

 Ilustraçõies: Francisco Juliá

 

Luiz Carlos Quirino.Reside em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.Formado em Ciências Sociais.Autor de poemas, contos, ilustrações e pinturas que publicava em um blog já não existente. Publicou em 2017 uma plaquete com 25 poemas sob o título de Seremos destruídos pelo princípio da não contradição e um conto numa coletânea editada pelo SENALBA/RS.







Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548