Geografia da derrota
Tenho as
costas curvadas
e marcas no cenho
um desenho
como uma
espécie de mapa
que registra a geografia
dos lugares por onde não passei
porque desprovido dos meios
não pude chegar
e ele se expande
na proporção da vida
e o peso é demasiado
solitário – num
caminho árido
despovoado.
Navalino
a adaga da maldade
tem quatro faces
de afiadíssimo fio,
fases da lua ocultas
na bainha da nublagem
de um céu púrpura
em fim de tarde.
abrigada sob a roupa, incisa a pele,
feito semente de erva daninha,
germina – arde.
a planta da maldade
é uma adaga
de raízes plúmbeas,
entra fundo na carne
crua – expondo a seiva
que jorra da corrente
sanguínea.
o sangue cega a lâmina que investe
contra uma árvore seca.
Carvão
dragões de lata saciados
percorrem
o enosado desenho das ruas.
sem começo nem fim,
apenas um nó corrediço
a estrangular o caminho
enquanto corvos dançam,
entre nuvens de prata escura,
parecendo andorinhas.
incendeiam a si mesmos
ao tocar o sol,
despencando e
se espalhando pelo chão
como cartas queimadas depois de lidas.
o horizonte é carvão,
o que resta das casas
e edificações inabitadas.
espessa fumaça cinzenta
que defuma os rejeitos da cidade:
cadáveres de asas quebradas –
alguns ainda se debatem.
Lume
Não tenho nada
além de uma débil esperança queimando
numa lamparina quase vazia,
chama cansada que lança uma indefinida sombra contra a parede.
O movimento do ar alimenta a claridade
– enche meus pulmões –
enquanto me apaga.
O ar é duro.
A chama,
fraca.
O que não é
Um poema não é
a Lâmina da guilhotina
suspensa sobre o
pescoço do tirano
não é um molotov –
nem a vidraça partida –
tampouco, um tratado
sobre o capital financeiro
ou a Primavera Árabe
Provavelmente
apenas uma faísca
algures
na noite mais escura
de um homem perdido
faminto de tudo
que abocanha a terra
na intenção de matar a fome
ou matar-se – quem sabe?
E este homem está só –
grita – a única resposta obtida
é seu próprio eco
não se dá conta de que
está preso
na cratera deixada
pela explosão
abandonado
pela espécie
E ele tenta inutilmente
construir uma escada
mas o poema – desde o início
manteve suas mãos atadas
às costas
reiteradamente ele caiu
com o rosto no lodo
as mãos eladas
– no entanto –
o protegeram – e o lodo
o salvou da cegueira.
Alucinação
Antes
Houve um céu azul.
Hoje,
Sobre nossas cabeças,
Só uma massa
Sonolenta e cinza.
Que se torna negra
À medida que encontra as águas
Adormecidas.
Por onde navagueiam
Sonâmbulas vitórias-régias
De sacolas de supermercado
E jacarés
De dentes enferrujados.
Por cima delas salta um índio
Nu.
Tensionando seu arco,
Persegue um animal impossível.
Alucinado,
Em meio à selva
De malocas de compensado e zinco.
Ilustraçõies: Francisco Juliá
Luiz Carlos Quirino.Reside em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.Formado em Ciências Sociais.Autor de poemas, contos, ilustrações e pinturas que publicava em um blog já não existente. Publicou em 2017 uma plaquete com 25 poemas sob o título de Seremos destruídos pelo princípio da não contradição e um conto numa coletânea editada pelo SENALBA/RS.