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5 poemas de Julio Moncada - tradução de Lota Moncada

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Asalto

Estoy gastando ternura
en un país de miseria.
Gasto mi mano, mi sien,
gasto así mi levadura,
iluminando su pura
llamarada de tragedia.

Es un país de miseria
de mano callosa y dura.
Donde el pámpano madura
y al sur la lluvia se afila
y es un hacha que nos moja,
nos hunde y nos extermina.

He vivido ya treinta años
y agonizado otros tantos.
Un sordo tambor repica
sobre mis huesos cansados.

¡Pero no puedo impedir
que la ternura camine!
Tanta luz que hay en el hijo,
tanto cañón de fusiles,
tanto trigo, miel y mijo…

El yanqui asalta mi día,
sobre mi hora se encarama
como si fuera una rama
de dulce fruta vendida.
¡Y yo no puedo hacer nada
y me carcome la vida!

*
Assalto

Estou gastando ternura
num país de miséria.
Gasto minha mão, minha cabeça
gasto assim minha levedura
iluminando sua pura
labareda de tragédia.

É um país de miséria
de mão calejada e dura.
Onde a vinha amadurece
e no sul a chuva se afia
e é um machado que nos molha,
nos afunda, nos extermina.

Já vivi trinta anos
e agonizei outros tantos
Um surdo tambor repica
sobre meus ossos cansados.

Mas não posso impedir
que a ternura ande!
Tanta luz que há no filho,
tanto canhão de fuzis,
tanto trigo, mel e milho…

O ianque assalta meu dia,
sobre minha hora trama
como se fosse uma rama
de doce fruta vendida.
E eu não posso fazer nada
e me carcome a vida!

***
 
Habito un país distante

Vivo en un país distante.
Allí donde el otoño mueve el tiempo.
Habita mi alma fruta y pájaro;
mujer, hélice, recuerdo.

Todo lo que sea huida.
Todo lo que sea ausencia.
Abro la puerta cada día
para que pase la tristeza.

A veces muero lentamente.
A veces vivo silencioso.
Tengo la cábala que abre
un mundo claro y melodioso.

Como cuidador de estrellas
y fino pastor de la tarde
comprendo voces que no entiende
la sencilla gente del valle.

Cuando me muera me he de ir.
O he de volver. ¡Y quién lo sabe!
Bien sé que siempre estuve ausente
habitando un país distante.

*
Habito um país distante

Moro em um país distante.
Ali onde o outono move o tempo.
Habita minha alma fruta e pássaro;
mulher, hélice, lembrança.

Tudo o que seja saída.
Tudo o que seja ausência.
Abro a porta a cada dia
para que entre a tristeza.

Às vezes morro lentamente.
Às vezes vivo silencioso.
Tenho a magia que abre
um mundo claro e melodioso.

Como cuidador de estrelas
e fino pastor da tarde
compreendo vozes que não entende
o povo simples do vale.

Quando eu morrer hei de ir.
Ou hei de voltar. E quem é que sabe!
O que sei é que sempre estive ausente
habitando um país distante.



Laurel y decepción de Julio Moncada

Ya ves, Julio Moncada, no bastaba
con frente y corazón para la altura.
Sigues igual con tu desgarradura.
Igual, igual que cuando en ti empezaba

a florecer tu ciega levadura,
a crecer la semilla, a duplicarse
la sangre que mandaba levantarse
a nombre de la paz y la ternura.

Aquí estás como ayer, Julio Moncada.
Hoy más solo, más ciego, más perdido
con un clamor de patria calcinada.

Igual, tal como ayer, hoy perseguido,
igual, tal como ayer, Julio Moncada,
tu rama de laurel es el olvido.

*
Louros e decepção de Julio Moncada

Já vês, Julio Moncada, não bastava
com cabeça e coração para o momento.
Continuas igual com teu desgarramento.
Igual, igual que quando em ti começava

a florescer tua cega levedura,
a crescer a semente, a duplicar-se
o sangue que mandava levantar-se
em nome da paz e da ternura.

Aqui estás como ontem, Julio Moncada.
Hoje mais só, mais cego, mais perdido
com um clamor de pátria calcinada.

Igual, tal como ontem, hoje perseguido,
igual, tal como ontem, Julio Moncada,
tua coroa de louros é o olvido.

***   
 
Padre

Un corazón abierto de ventanal florido.
El gesto rudo y simple. La mano blanda y buena.
Y lo mismo que yo, unos ojos tan límpidos
que dicen lo que guardan sin mirarlos apenas.

Moreno como yo. Tiene mis mismos pasos.
Esa misma manera de mirar lo infinito.
Veo en su corazón como dentro de un lago
y a veces, me imagino que él es mi primer hijo.

Ahora, ya no hablamos. Desde que estoy crecido
nos apartan los mundos distintos de los dos.
Detrás de sus pupilas un indio pensativo
yo sé que hace diez años me está diciendo adiós.

*
Pai

Um coração aberto de varanda florida.
O gesto rude e simples. A mão branda e boa.
E como eu, uns olhos tão límpidos
que dizem o que guardam sem sequer olhá-los.

Moreno como eu. Tem meus mesmos passos.
Esse mesmo modo de olhar o infinito.
Vejo em seu coração como dentro de um lago
e, às vezes, imagino que ele é o meu primeiro filho.

Agora, já não falamos. Desde que estou crescido
nos afastam os mundos diferentes dos dois.
Detrás das suas pupilas um índio pensativo
há dez anos, eu sei, está me dizendo adeus.

***

Poema  III

Eh, buen viento capitán, y no temas
la maldición del Caleuche, sólo en las grandes islas
se podría encontrar en tu ruta. Navega
con todo el trapo suelto bajo la lluvia.
Pues vente de una vez. Deposita una rosa
en el cementerio de Panamá, ya sabes para quien.
Despídeme, si te dejan, despídeme del Pelado
que navegará robando motones y cabos y tarros de pintura
en el puerto del Odio.
Te espero capitán en el bistró de Auguste,
29 rue des Blanc Manteaux, junto a la estufa
con aire de perseguido, no puedes equivocarte
porque arrastro una nostalgia del carajo
y se me ve en los ojos, que cuando duermo lloro
intensamente, mi querido capitán.

*
Poema III

Ei, bons ventos capitão, e não temas
a maldição do Caleuche, só nas grandes ilhas
poderias encontrá-lo na tua rota. Navega
a toda vela sob a chuva.
Então, vem de uma vez. Deposita uma rosa
no cemitério do Panamá, já sabes para quem.
Se despede por mim, se te deixarem, me despede do Pelado
que navegará roubando polias e cabos e latas de tinta
no porto do Ódio.
Te espero capitão no bistrô de Auguste,
29 rue des Blanc Manteaux, perto da lareira
com ar de perseguido, não podes te enganar
porque arrasto uma saudade do caralho
e se vê nos meus olhos, que quando durmo choro
intensamente, meu querido capitão




Poemas de Julio Moncada, da antologia bilíngue, Habito um país distante. Tradução ao português de Lota Moncada. Organização, Ricardo Silvestrin e Lota Moncada. Editora Artes & Ecos, Porto Alegre, 2017.



Fotos:  a primeira com Juan Carlos Onetti (1978), grande escritor uruguaio, e a segunda com a filha Lota Moncada(1981), ambas em Paris, durante o seu exílio.





Julio Moncada, meu pai  - Lota Moncada

Julio Moncada, meu pai, nasceu em Santiago do Chile, a 12 de abril de 1919. Desde muito cedo se dedicou às letras, ao estudo, particularmente da poesia. Sua primeira publicação foi o livro Las voces(As vozes), por Ediciones Americanas Andes, em 1943. Nove anos depois, já no Uruguai onde moraria durante muitos anos, publica Destierro(Desterro), por Ediciones Helios, em 1950. Na dedicatória do livro, toda sua ternura:“Entrego este livro à ternura de minha mulher, Zulema, e a minha filha Lota, resumo do meu humano amor. Agradeço nele a amizade, a compreensão e o estímulo de muitas pessoas e esta obra vem a ser a concretização de uma grande soma de dores e esperanças que viverá por causa de sua vigência popular.” No prefácio o pedagogo e escritor uruguaio Jesualdo Sosa (Uruguai, 1905-1982) diz:“E o que há de fazer um poeta sem sua terra, em sua desterra, senão cantar, e o há de cantar senão suas causas e seus desencontros, os presságios e as desventuras? Isso e assim é todo poema de Moncada, um rapaz de trinta anos, a quem tenho visto animado embora com a água no pescoço; que tem um destino poético invejável e um acerto expressivo definido.”
Julio Moncada está inserido na Geração Literária de 38, na qual se destacam poetas e escritores do nível de Nicomedes Guzmán,Volodia Teitelboim, Andrés Sabella, Francisco Coloane, Eduardo Anguita, e alguns membros do Grupo La Mandrágora. Sempre no Uruguai, dividido entre suas viagens ao seu Chile natal, e seu trabalho como escritor e jornalista em Montevidéu, publica um poema em forma de livreto, La pena desnuda (A pena desnuda), como parte separada da Revista Agón, em 1958. Uns anos depois, não consigo precisar o ano exato, grava um disco formato pequeno, em 33rpm com o nome de “Julio Moncada dice sus poemas”  pelo selo Ediciones Ciudadela.
Sua última publicação em livro foi no ano de 1967, por Ediciones Del Angel No, em Montevidéu, uma belíssima edição de 150 exemplares numerados e assinados pelos autores, Julio Moncada e Enrique Fernández (autor das gravuras que ilustram o livro).
Além disso, milhares de notas, comentários, conferências, cursos, colunas de jornal, palestras e já no exílio, em Paris, colaborações com a Revista Araucaria de Chile, revista cultural publicada pelos chilenos no exílio: http://www.abacq.net/imagineria/arauca0.htm
Quando Salvador Allende foi eleito presidente do Chile, meu pai foi nomeado Adido Cultural à Embaixada em Montevidéu, fundando, nessa época, o Centro Cultural Chileno e promovendo e trabalhando sempre pela cultura e o intercâmbio.
Por ocasião do golpe militar de 11 de setembro de 1973 renuncia a seu cargo na Embaixada e parte ao exílio, primeiro em Buenos Aires e em seguida em Paris, onde morre a 19 de julho de 1983, aos 64 anos, depois de longa e dolorosa doença, especialmente agravada pela saudade e a impossibilidade de voltar ao seu amado país.


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