Sai solidão
Sai solidão,
já não quero
teu silencioso chamego,
solta minha mão
não te preciso, quero sim,
o despudorado riso,
o contrário do aconchego
audaciosos dentes
emaranhadas línguas
cadências que afaguem,
vorazes,
na escuridão seminua
de qualquer lugar,
o meu peito urgente.
Sai solidão,
vê se me esquece.
Já não sou mais aquela
que resignada espera,
patético arremedo de gente,
um olhar de esguelha, um favor.
Sou a mesma e outras.
Enjoei da janela, do fogão,
da cama vazia, da cela,
da dor intermitente
à espera do laço,
esfacelando a alegria,
arrastando o meu passo.
Acabei aprendendo
a polir as escamas,
a limpar o jardim,
eivado de penas,
a talhar meu diamante
por duro que seja,
e embora às vezes
de alguma lição me descuide,
vai solidão, bem tranquila,
me solta enfim,
que a tua ausência
já não me aniquila.
*
Vete soledad
Vete soledad,
ya no quiero
tu silencioso apego,
suelta mi mano
no te necesito, quiero sí,
la desvergonzada risa,
el revés del sosiego
audaces dientes
enmarañadas lenguas
cadencias que acaricien,
voraces,
en la oscuridad semidesnuda
de cualquier lugar,
mi pecho urgente.
Vete soledad,
a ver si me olvidas.
Ya no soy aquella
que resignada espera,
patético simulacro de gente,
una mirada de lado, un favor.
Soy la misma, y otras.
Me harté de ventana, de patio,
de cama vacía, de celda,
del dolor intermitente
esperando el latigazo,
destrozando la alegría,
arrastrando mi paso.
Terminé por aprender
a pulir las escamas,
a limpiar el jardín,
colmado de penas,
a tallar mi diamante
por duro que sea,
y aunque a veces
de alguna lección me descuide,
vete soledad, bien tranquila,
déjame en fin,
que tu ausencia
ya no me aniquila.
***
Espiral
um dia após o outro
caio me levanto
sofro choro me espanto
um repentino afago
memória remota
um abraço um carinho
rio não durmo sonho
grande vira pequeno
pequeno some no tempo
sorriso aberto me acena
descubro sinto me alegro
pedra rodando infinito girar
um dia após o outro
*
*
Espiral
un día después de otro
caigo me levanto
sufro lloro me espanto
una repentina caricia
memoria remota
un abrazo un cariño
río no duermo sueño
grande se vuelve pequeño
pequeño huye en el tiempo
sonrisa abierta hace señas
descubro siento me alegro
piedra rodando infinito girar
un día después de otro
Prometeu pós-moderno
um ponto no deserto
se batendo sozinho
em moto contínuo
contra ventos e areias
engasgado com palavras
irreprimíveis e abissais
o resistente Prometeu
-pós-moderno e cansado-
descontinuou seu moto
abriu as portas interiores
saiu gritou e vomitou
se batendo sozinho
em moto contínuo
contra ventos e areias
engasgado com palavras
irreprimíveis e abissais
o resistente Prometeu
-pós-moderno e cansado-
descontinuou seu moto
abriu as portas interiores
saiu gritou e vomitou
*
Prometeo posmoderno
un punto en el desierto
solo y luchando
en móvil perpetuo
contra vientos y arenas
sofocado por palabras
irreprimibles y abisales
el resistente Prometeo
- posmoderno y cansado -
discontinuó su móvil
abrió las puertas interiores
salió gritó y vomitó
***
Todo dia cai
todo dia cai
um porta-retratos
vento não gosta
de passado
deixa deitado
me dizem
assim o vidro
não quebra
mas quero ver
de relance
a sombra da vida
que era
*
Todos los días cae
todos los días cae
un portarretratos
al viento no le gusta
el pasado
déjalo caído
me dicen
así el vidrio
no se rompe
pero quiero ver
aunque sea al pasar
la sombra de la vida
que era
Nem isto nem aquilo
nem verso nem prosa
nem rima nem trova
letra perigosa
esta triste troça
que inibe e que acossa
nem escreve nem apaga
com lápis ou tinta
palavra bizarra
esta que não se poupa
e não se aceita extinta
*
Ni esto ni aquello
ni verso ni prosa
ni rima ni estrofa
letra peligrosa
esta triste mofa
que inhibe y que acosa
ni escribe ni borra
con lápiz o tinta
palabra bizarra
esta que no se ahorra
y no se acepta extinta
Lota Moncada : Nasci em Santiago do Chile em 1948. Filha de mãe uruguaia, atriz e pai chileno, poeta. Aos 5 anos fomos morar em Montevidéu - Uruguai, onde cresci. Aos 16 nos mudamos para o Brasil, Curitiba, cidade que abracei e que me abraçou. Aí me formei em Filosofia e iniciei (e dei boa continuidade) a carreira de atriz, que já dura 51 anos e tem mais de 40 espetáculos de teatro, 3 filmes e alguns anos de Tv.
Morei no Rio de Janeiro, em Montevidéu, por duas longas temporadas, em Paris, em Santiago do Chile e atualmente em Porto Alegre, desde 2007.
Além de atriz sou tradutora, professora de idiomas e poeta.
Minha escrita é bilingüe como eu, e embora escreva desde criança, só me permiti publicar no ano de 2010, em Ecos da alma uma antologia da Editora Andross – SP. Em 2011 nova antologia pela Andross, O segredo da crisálida. No mesmo ano, um prêmio internacional de poesia em espanhol, da Latin Heritage Foundation (EUA) e nova publicação, Una isla en la isla.
Outras antologias foram Ventos poéticos da Ed. Literata – SP; Poesia do Brasil Proyecto Cultural Sur – Bento Gonçalves –RS; Cantos breves LiteraCidade, Pará, e a mais recente (2016), Blasfêmeas, mulheres de palavra pela Casa Verde – Porto Alegre.
O livro-solo está em processo, mas por enquanto, “solo mesmo”, tem dois Cds gravados com poemas Meus apresentados em recitais e espetáculos.
O último lançamento (em julio de 2017) foi a antologia bilíngue Habito um país distante, de poemas do meu pai, Julio Moncada. Nela sou organizadora junto com o poeta, escritor, músico e professor gaúcho Ricardo Silvestrin, e também autora da tradução dos poemas ao português.
Além da página no Facebook ( www.facebook.com/lota.moncada ) onde publico sempre, mantenho o blog de literaturas: http://palavraspalabras.blogspot.com