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Adusto - Rita Santana

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Primeiro Movimento

Ele me invade, árcade selvagem!
E lança suas mãos ávidas sobre
A minha pele de avelã madura,
Sobre a minha casca de aroeira.
Abeira-me de abismos e abis.

Toca a minha pele de tâmara -
Qual trovador em cítara -
Matura o tempo do meu luto
E engravida-me de avencas.

Vejo-o mascar nêsperas de esperas
Para ver a flama do meu Desejo.
Vate do Alentejo!

E eu, que tanto tramara muros,
Furto seu nome que
- de eloquência e loquacidade -
Excitara precipícios de manhãs
Em minhas planuras de Poeta.

Entanto, nada me alenta!
E, ao relento, clamo por seu epíteto,
Eu, bastarda pantera de pântanos!
Contemplo-o aliciar palavras
Que serão doadas ao meu Oratório!
Ao meu templo de dispersões e cordilheiras.

Manifesto a minha Divindade
Em protestos de fúria.
Eu, toda feita de ínsulas e rudezas,
Uma ilhoa sacerdotisa
A cultivar papiros
No Oráculo de Sapho.

Vejo o meu Vate
Assistir ao itinerário da trepidez da Mulher
- toda eu!
Que tremula em sua presença.
Tocada pela arquitetura dos seus gestos
E pelos alicerces e declives
Da palma da sua mão.
A mesma mão que alimenta o gado
E que me alivia a fome,
O estado de viuvez
E de ausência.


Segundo Movimento

- Vem, Adusto!
Consome meu ventre
E adentra meus poros!
Sê justo, derrama teu sêmen
E tua semeadura de Servo
Sobre as minhas alfombras,
Sobre os meus alfarrábios,
Alforrias, o meu tratado de veias,
Tramelas, arcas, eras, heranças e plagas.

- Enterra a tua fidelidade de Sáurion
Em sarcófagos da memória.

Eis-me toda cômoros
E comoção de cavidades,
Toda inumação de abrasamentos,
E de brasas.
Toda inumação de archotes de vontades acesas.

- Grado!

Assim, chamo-te, pois há muitos nomes
Para te ocultar da avidez das mulheres
E da sordidez tirânica dos homens.
Eram tuas, Grado, as candeias,
Os candelabros, os candeeiros
Que arfavam luzes sobre os nossos pelos
E sobre as nossas bocas desmaiadas,
Ante os cânticos de Salomão e a sapiência da Rainha de Sabá!
Naquele campo noturno das avenas,
Fizeste--me revelação de árias e templários.
Desvelaste, em anunciação de mistérios,
Sacros nomes: Baobá, Barriguda, Imbondeiro!

Desses tempos,Adusto,tenho feito minha homilia,
Minha hóstia, minhas oferendas.
Meus sacrifícios de animais, de sangue,
De penas, de mortes e de vidas.
Sulcos rompem meu corpo
E, nauta e louco, o teu olhar
Ainda imprime em mim desígnios
De fome e tormentas!

- Gótico Senhor dos Passos,
Senhor dos meus Vestígios,
Senhor dos meus tormentos de Escriba!
Vem, criva-me de cravos, bromélias, anêmonas!
Vem, criva-me de fados, fandangos, fagotes!

Em Carcassone, Árcade Selvagem,
Quedam-se meus burgos.
Abro minhas defesas para tua epiderme,
Tu, verme gentilque me consumistea pele,
Entrego-te ânforas onde armazeno
Aromas e câimbras de amores pretéritos.

- Adusto, vem!
Aporta novamente em minha Casa
E anula qualquer nuança de presença alheia
Em meu leito, em minha alcova
Ou no rocio que cerca o meu terreiro.
Pousa teus olhos sobre o meu Universo,
Pois, tudo que o teu olhar toca
É-me sagrado!
E ganha magnitude de Eterno.   
- Não vês?
A minha pele fez-se imortal e casta.
Temo levitar sobre as evidências do mundo.
Temo levitar - em observância - sobre o teu cotidiano apaziguado.
Temo realizar milagres depeixe,vinho e pão.
Temo hipnotizar bússolas, ponteiros
E as translações da terra!
Temo tornar-me nociva ao mundo, às marés
E aos ciclos eternos da Lua.
Tamanho é o meu poder de fêmea tocada.
Sinto-me Harpa destinada a te conduzir,
Enfim, de volta, àquele sítio onde só há

Desejo.


Rita Santana é professora, atriz e escritora. Em 2004 publica Tramela (contos) - prêmio Braskem de Cultura e Arte para autores inéditos. Em 2006 publica Tratado das Veias  (poemas) através do Selo Letras da Bahia, e em 2012 lança Alforrias (poemas). Como atriz, tem experiências em teatro, cinema e televisão.

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