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olhar que se infiltra como vento nas frestas da cidade, algumas abertas a tiros de fuzil, eis os poemas de Luanna Belmont

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o vento
    entrando       pela janela
                  altera
            a temperatura
                   a respiração
                          o frontispício
                                          altera
                                 a espera
                            o verso
                      o início

                  no vento se ergue
                        um edifício
                              feito
                  de língua e tempo
                          um grifo
                           um eito
                    um monumento

                          no vento
                                 um nome
               balança
                             uma folha
balança
                    dezenas
                  (uma conspiração)
             escapando             voando
           da solenidade das árvores
             entre                             elas
                         folhas   folhas
                    de várias espécies
em fuga
                  em próspero abandono
                            na mesma direção
                                na mesma direção
                          palavras
                                preces




* * *




cdd

a certa altura do sol da manhã
a linha amarela é um túnel aberto
um corredor
entre duas fileiras de casinhas 
geminadas e coloridas
muito semelhantes nas suas circunstâncias 
de alma
são azuis amarelas na aguada
eventualmente ocres
às vezes um verde resvala 
de uma a outra
enquanto o asfalto olha rapidamente
para elas
as casinhas da cidade de deus 
à beira da linha amarela
ao longo penduradas
como pequenos cordéis
despedaçam na beleza
o tiroteio
o fogo cruzado sobre os carros
os ônibus apedrejados 
as barricadas de pneus incendiados
fechando as ruas
os protestos viciados
os estupros vazados
e os imponderáveis
o caveirão blindado 
os fuzis eretos na paisagem
os meninos baleados 
pelo dia puro
a beleza do medo pode ser
um avesso 
de tudo 
pode ser um muro
que não há 




* * *




o livro das coisas

existe um drama nos livros fechados dentro
das bolsas
nos dias chuvosos
ou nas estantes empilhados
existe um drama comprimido dentro
das bolsas onde se guardam os livros
tirados da estante
um drama fechado respingado
um drama úmido
a enfrentar calado a umidade visível
do lado de fora
insidiosa sobre o gomo mole das coisas
mesmo as mais áridas e indiferentes
quando chove muito
quando chove há dias
molham-se os sonetos e os semáforos
de tudo que neles se esconde
e a partir deles existe
fica evidente a cavadura das coisas para além de si mesmas
a catapulta das coisas
quando chove
é quando fica evidente também que um drama existe
dentro dos livros como coisas úmidas
desde sempre
amolecidas pelo seu propósito
drama pressentido e perdurado nas frestas
verdadeiras ou pintadas nos quadros
por onde a chuva acontece
e as coisas acontecem
além do seu espaço
dentro de outras
dentro de si que são sempre outras
como a chuva
só onde a chuva de fato molha
ou encontra
a chuva
água
precipitada sobre
água
assim o drama de tudo fechado
dentro de si mesmo
encharcado de suas próprias substâncias
como livros à espera sendo
o que não passa
esperando o que não passa
existindo por dentro
do livro que não é senão
livro das
coisas
precipitadas sobre as
coisas
o livro das coisas fechadas
híbrido livro
da chuva das coisas
mesmo depois que a chuva passa

existe um drama na página fechada
um drama na capa
um drama sob a carapaça
existe um drama que tudo traça
um drama que foi um dia épico
ou será
à espera
o perímetro interno da chuva
restando dentro
rente às curvas das coisas
como se a paisagem fosse
perdendo
palavra por palavra
o seu sentido




* * *




para adormecer o corpo

vc ficaria surpreso ao saber até onde o corpo é
vc ficaria surpreso
ficaria até duvidoso e atônito diante
desse corpo
desordenado
magoado
ferido
injustiçado
calado
envelhecido
um corpo radical
vc não acreditaria que nesse corpo
eu vivo o universo
que nesse corpo eu conheço a
plenitude das coisas inomináveis
com esse corpo eu observo o
quanto custa a outros corpos
ser o que são
a sua recompensa vã
e de repente
ou aos poucos
deixar de sê-lo
vc silenciaria se eu lhe contasse
das dores que tive do medo que tive
e, depois de tudo, se eu lhe contasse
ainda que sobrevivi dentro
do mistério
regenerado
vc simplesmente não me reconheceria
se olhasse bem a assimetria das
minhas sobrancelhas
como são imperfeitas e fortes
se notasse os músculos das minhas panturrilhas
quando caminho
como são íntegros e elevam
o meu tronco numa cadência
que eu não planejei
se vc entendesse o quanto hesito
ao pousar o pé esquerdo que
um dia torci na roda da bicicleta
o quanto é estranho porque me sinto quebrada
embora indolor
quando ele estala a cada
passo
porque quando ele estala
a cada passo
eu lembro daquela dor infinita
travando a roda da bicicleta
aos quatro anos
vc refletiria um pouco ao saber
o quanto o calo de escrita do meu dedo médio
diminuiu na última década
desde que, tendo sido sempre destra, parei de escrever
tanto
à mão
e passei a usar todos
os dez dedos na máquina
de escrever que ganhei do meu pai
na adolescência
vc se chocaria se eu dissesse que,
juntos, os dez dedos nunca se cansaram de afundar as teclas
pesadas
da máquina de escrever
onde eu digitava tão rápido
tão rápido tão rápido
não sei onde foi parar aquela máquina de escrever
e no dia em que minha mãe fechou
meu dedo
mínimo
dentro da mala do carro
no vão entre o capô e a carroceria
eu nem lembrei da máquina de escrever
eu não queria ver não queria ver
o meu dedinho esmagado
nem lembrei que talvez não pudesse mais afundar
a tecla a
que pertence ao dedo mínimo da mão esquerda
eu trocaria o ç da mão direita pelo a se pudesse
mas, depois de um mês dormente,
ficou tudo bem com a letra a
e com todas as outras
se vc soubesse o quanto meus cabelos
sempre caíram e sempre nasceram
fartamente
ou como meus dentes tortos nunca couberam bem
na minha boca
e se descobrisse, por ventura, como
mastigar doeu por tantos anos
com aquele fio de aço puxando
tudo para trás
se vc ao menos imaginasse
como esta pequena cicatriz na canela
foi um dia uma enorme ferida
o quanto latejou e o quanto fiquei com
pena de mim mesma por ter aquela
dor enorme virando pus e virando casca
no meio da minha infância
e no ano passado
aos trinta e cinco
talvez vc quisesse me abraçar
quando levei pontos cirúrgicos
sob a mama direita
mais quatro pontos externos no
antebraço esquerdo
onde toda noite
e para sempre
acaricio uma queloide
de dez centímetros
vc não compreenderia, como eu, por que
eram tão tortos os meus pés
quando nasci
e por que tive que usar botas
ortopédicas de couro e cadarços
marrons que não combinavam
com as minhas roupas
quando queria
usar sapatilhas ou
simplesmente tocar o chão
frio com a sola dos pés
vc talvez ficasse indignado
com as quatro pneumonias que
tive
e com as dores de ouvido que desde
cedo
e até hoje
me fazem chorar
vc talvez se comovesse com a vez em que não podia engolir porque toda a boca por dentro
e a garganta
ardiam feito um deus raivoso
como a queimadura de um meteoro
e mesmo assim, acredite, eu pronunciava
aos cinco anos
cada palavra com perfeição e amor
quando minha mãe me mandava ler
outra vez
e outra e
outra
até não tropeçar mais em nenhuma sílaba
até ser capaz de adivinhar todos os sinais de pontuação
até inventar em mim todos os personagens
até talvez virar eu mesma a autora de
todos aqueles textos
eu entoava a voz no movimento
dos lábios
(que nunca haviam beijado ninguém)
os lábios conduzidos pelos olhos espertos
que saltavam os intervalos das palavras
e dos versos
e seguiam as letras como se tudo
até o silêncio
fosse palavra
é preciso ter olhos espertos
aos cinco anos!
e tudo enfim
enquanto eu lia
voltava
para mim
extraordinariamente
para dentro de mim
a minha voz
que eu ouvia tão bonita
tão perfeita
lendo
contornando as curvas das palavras
contornando alguma coisa que era
enfim
perfeita
a minha voz carregava para dentro
do meu corpo
por dentro do ouvido
todas as palavras
vc não acreditaria que isso é possível
vc não suportaria a ideia
de que um corpo
como o meu
cheio de cavidades e
e lembranças
seja apenas
na verdade
uma câmara
de ecoar
palavras




* * *




dizer

uma voz perdura
insistente
como uma cura que eu não sei
a que veio
terei estado sempre doente?
ela sussurra e eu digo grita
grita e eu digo soluça
me obedece feito uma burra
que ama
maioria das vezes
falamos juntas
outras não 
vingança
me abro em eco
para que ela recite
ora doce ora grave 
coisas desconhecidas 
mínimas coisas inscritas
como formigas vindas de longe
de muito antes
que vêm de quando em quando
andar sobre a minha pele
me tomam toda
meus olhos narina
minha boca
num ritual estranho 
a que costumo sobreviver 
há muito tempo
te deixando dizer essas coisas
que não entendo




* * *




de como matar o desejo:

morrendo um pouco
com ele enquanto
o atrito
com força
meticulosa
contra a luminosidade áspera
do poema
do corpo do poema
brota
e sobre ele se espalha escorre
como uma resina uma secreção
o desejo-âmbar
a cicatrizar
a fossilizar
no poema
o único poema possível
o único que nele
existe
nascido
de uma ferida quente
em seu corpo
na sua casca
exposta
à luz além
luz grave e sólida
além luz do obturador
dos olhos do poema
que nunca se fecham
além além luz
luz
que feriu e marcou
e gerou
contra si mesmo
o poema
resina fóssil
de todo desejo




* * *




para uma medição plena da minha sorte

algo terrível matura
enquanto escrevo
uma ilha um automóvel
uma esperança
enquanto escrevo é sempre um
ponto que alastro numa direção
impertinente
incontinente
uma perdição
como se uma reta mesmo
infinita
não bastasse
e não bastando
explodisse antes dela
em si mesmo
o seu ponto original
(qual?)
e dentro dele
oceano
o ponto a que enfim me recuso
e não escrevo
dando voltas acercando-me
sem querer matar a charada
de nada de nada
quando escrevo
algo
surpreendente não acontece
tudo não passa
de uma ocorrência que se move onde
porém nada
absolutamente nada proscreve
nem prescreve
apenas o nada
como no olhar do king kong
antes de cair
como logo depois da
primeira
nota de uma música desconhecida
do primeiro gozo
ou o nada de um domingo à tarde
com sol
numa rua do subúrbio
quente quente
onde se viam bancas e gente
agora um silêncio só
brilhante
toma tudo
o comércio fechado as calçadas livres
cada parede suja da tarde suburbana
endossa o mesmo dom
particular e perverso de viver
uma certa desordem
que acompanha a linha do trem
mesmo calada
que amalgama as vozes distópicas
dos radinhos de pilha
uma certa alegria erótica da falta
e do sonho que perfuma
demais os corpos
que lambuza demais a vida tola
a vida toda
até o fim dela
até o fim
seja de qualquer jeito que ela venha
e no meio da tarde amarela
do subúrbio
só um carro passa
na rua vazia
para confirmar
o nada
essa outra espécie de felicidade
muito parecida com
o que pode ser belo
porque acaba
simplesmente acaba
como o não infinito das coisas
e outra coisa começa
a chuva o sol a tarde
um assalto ao posto de gasolina
ou alguém cantando pneus na noite
o que pode ser belo porque
aponta
o limite
a violência destravada do
belo belo
onde nada absolutamente
nada acontece
é assim quando escrevo
zero a zero
infacto
intacto
como um paredão de pedra
úmido repleto de bromélias
verdes
depois da chuva
nada acontece nada
enquanto persigo
as pistas do que excede
e não pára
apenas se sucede
sem definitivamente acontecer
como se tudo fosse espera
ou ácido
então embora nada
efetivamente
aconteça nada avance
flagro essa mutação
in natura do tempo
feita do que sucede
do que concorre
do que interrompe
sem avançar nem voltar
o tempo
o ponto
expandindo esse nevo
então para disfarçar quem sabe
escrevo
como quem bebe
como quem fuma
como quem trepa
como quem come
ou dorme
ou rouba
sem constatar nada
seguramente
sem dizer nada
relevante
nem a beleza que porventura tenha
um nome
nem os sons que deles carecem
vazios e plenos
de identidade
mas nada
enquanto escrevo
seguramente avança
apenas mudo
o ponto de vista
o ângulo do desejo




* * *




registro

quando abro minhas pernas
em frente ao espelho
para medir e tocar
na origem possível
a densidade
do meu desejo
a sua falha espessa
o quanto ele se distende
viscoso
do indicador ao dedo médio
até o polegar
o quanto ele escorre
radioso
lento
entre o que dentro
eu não lembro mais e
o que fora de mim me
exaspera
o que eu vejo então não é
o que ele vê
antes de me pegar fundo
de frente
quando me pede para
levantar bem os joelhos
o que eu vejo não
é o que o cega quando
ele me lambe
o que eu vejo não é
nunca será
a entrega que ele pretende
a posse que ele aprendeu
e eu consenti
até implorei
lá no espelho eu só
quero ver o desconhecido
o indecifrável
encabular diante do meu
mistério brabo
carregar comigo essa memória
de mim
para todas as horas




* * *





a algumas pequenas coisas que não existem

não há espaço
the reis no room
no hay vagas
como dizê-lo de forma
que não seja dito a alguém
que não seja a recusa de alguém
a outro alguém
de forma que não seja o acolhimento
a alguém posto em xeque?
no room
como dizer sem que o dito seja
sempre e também
a lembrança de uma solidão?
não há espaço
como dizer o que não há sem que isso seja
absolutamente pessoal
sem que o não haver se disponha aberto
como um flanco vulnerável?
como dizer o verbo
que nega
o verbo cancelado
natimorto
sem que ele diga
a despeito
algo sobre o outro
sobre um fenômeno além
da língua?
como dizer da inexistência
sem negar, juntamente com isso, também,
a existência de alguém
sem dizer, ao mesmo tempo,
eu não me importo com a sua dor?
no hay nadie
não há ninguém
não é o mesmo que
você não existe, eu não existo?
as palmeiras têm no topo lanças altíssimas onde
o vento se divide onde
nascem as folhas novas onde
o céu vai distendendo o seu corpo longo pelos anos
e os raios reclamam a sua descontinuidade
como não dizer então sempre
e simultaneamente mais
de uma coisa duas três
sem que uma delas seja
eu não amo você
ou
eu te desejo?
como não implicar alguém
no que falta?
como não repousar a falta na letra
a letra na língua
a língua no vento
o vento no não?
o que não existe divide
reivindica sua conexão
com tudo o que há
o que não existe cria raízes
por onde a vida se alimenta
túneis vilas vales mirantes
tudo enraizado no não há
o que não existe não prescinde
de uma perspectiva e é capaz
de nos calar
de nos encher de vazio
de invisível
e depois inventar sob muitas formas
a sua presença
o que não existe nos invoca
e não obstante nos faz falar
das possibilidades
a que chamam fantasia
outras vezes tempo
o que não existe nos
ocupa intimamente
incorpora a espera
às expectativas
às paredes
o que não existe está
na latitude vertebral da ideia
enterrado com delicadeza pero
com profundidade
num pequeno vaso vietnamita
azul
e lá permanece
exótico
admirado
pelos teus olhos




* * *




Encapsular

Elza quer um queijo.
Aos poemas sem papel,
pré-inscritos na atmosfera,
qualquer coisa basta:
uma anotação, uma dúvida,
um passo-a-passo, um endereço.
Elza quer um queijo        faz eco
além da conversa ordinária
ao telefone.
Anoto. E descanso
como quem acaba
de colher um poema        inteiro
de ouvido.
Não me interesso pelo
desejo de Elza.
(Elza é uma selva azul?)
O desejo de Elza, porém, interessa
à minha língua, instala
na minha língua
uma nova ratoeira.
Cruel e implacável.




* * *




Desi Boy

quando teus pelos claros se grudam
à minha roupa mais banal maculada e descolorida dos dias
também banais
és então um cão
lembro o que és
és um cão
e eu me calo diante dessa constatação
que para mim é um horizonte
calo diante dessa verdade fortuita
como todas
verdade: distância entre as coisas
ridículo incongruente no escuro anguloso e tátil
das coisas
verdade: solidez do que não hesita
porque é - cão mulher -
verdade que resvala o pensamento
da mulher do cão
come-o, o pensamento, por dentro
cão, mulher
porque o que pensa não é espera
não é
contento
é pressa estática desdobramento
por isso espalha-se pela roupa o pelo
(pensamento)
claro de cão
fios caóticos firmes
ordinários cintilantes
linha demarcatória desfiando-se
em vazante derme
a descobrir-se a desfazer-se
como hóstia abraçada a outro tecido sobre outro tecido outro
finalmente humano
pelo roupa pele entroncamento
de panos
breves cobrindo
nossos breves espantos
(a tua orelha levanta ante ao que nem ouço mas me ensinaste que mesmo existir é uma hipótese)
cão, mulher
contração que polui o universo
e o corpo
de revezes e antígenos
desde quando há muito éramos menos selvagens do que hoje
já juntos
és cão
(eu mulher)
sobre os meus negócios
sobre os meus silêncios
entre o meu ócio
e o teu instinto
desenhamos uma haste
recíproca
uma distância vesperal
que agora mal conseguimos medir
e que nos pertence e prende
na rua
na montanha
no pasto
no gelo
no rio
na praia
no jardim
no quintal
na sala de estar
no tapete
no sofá
no quarto
na bolsa
no cinema
hoje mais que antigamente
mulher breve cão
aprendemos juntos a entrar
e a sair da casa
a rosnar a latir
aprendemos o que é uma casa
em nós
a ficar e fugir
cão, mulher
farejas em mim
e além o do que
não dou conta o que me acomete
aquela lâmina de horas que para ti
é logo
para mim é de dias
e enquanto farejas
és
um pedaço do tempo que respira forte
(sei do teu coração fraco do teu
exangue desespero por ar fresco no verão úmido da floresta onde vivemos e plantamos nosso amor)
às vezes deglutes pedaços da tua
história breve na câmara imensa
da tua boca
estirado no chão
engoles pouco a pouco o teu passado
anterior a quando nos conhecemos
anterior à nossa estupefação juntos
(eu te tenho e tu me tens, monstros grandes que se abraçam emburrecidos de ternura, e poderiam nem ter se conhecido, eu poderia nunca saber o peso da tua pata no meu quadril)
o teu passado lá na serra
nas corredeiras da fazenda
junto dos outros cães
tu o engoles
sufocando até sossegar
olhando ao redor a tua casa de agora
o piso frio em vez da grama
me encontrando por perto
assim aspiras um pouco da morte de todos os cães
que já tive e terei
nome indizível
morte
porque falável indizível
cão
tiras do oculto de mim esse nome
e o colocas entre nós
tu me despertas para todo fim
me colocas diante da brevidade do dia
porque ter um cão é perder um cão
ter um cão é lembrar de ter tido
um cão
extrair uma rapsódia eloquente
do que sempre poderia ser
maior
se pudesse sê-lo
e sabendo disso
vivo mais um pouco nos teus pelos
louros
sobre a minha roupa
na tua companhia perene
como nos oferecem os cães criados
por trás dos nossos olhos




* * *



Luanna Belmont já foi publicada em Mallarmargens, com vídeo de Gabriella Capper a partir do poema Os caminhos de onde eu vim: veja aqui.




_______________

Luanna Belmont nasceu em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, em 1980. É formada em Comunicação Social pela PUC-Rio, Mestre em Literatura Portuguesa pela UFF, e atualmente faz doutorado em Ciências da Literatura na UFRJ, onde desenvolve pesquisa sobre poesia contemporânea. Mora entre os seus cães, o seu gato e os seus livros, no seu jardim incrustado na floresta. Em 2016, publicou, pela Editora 7Letras, na coleção Megamíni, o livro de poemas Sobretudo verde. Costuma postar seus textos no Facebook. E-mail: luanna.belmont@gmail.com

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