Um dia normal deitado na rede e a vitrola tocando Lô Borges
Borboletas nadam
cachoeiras na Serra da Canastra
porcas se alimentam
na nascente do Rio São Francisco
Transgressores patogênicos
voam animadamente nas
terras do flautista de Hamelin.
Pelas paredes metálicas
embarco em uma viagem insólita
para além das veias e artérias
dessa obra orgânica
Nas conversas digitais
nas ruas de Blade Runner
ou apenas em uma viagem
pelas noites de Cubatão
Onde fábricas e chaminés eletrônicas ardem,
nuvens surreais com alto grau de teor etílico
cantam como se fossem David Bowie
para romper a distopia
Os mestres do disfarce andam soltos
Os filósofos debatem constantemente
mas Darwin antecipou
então que venha a evolução
Quando tudo que tentei falhou
resolvi voltar às ampolas
da indústria farmacêutica
Lembrei das noites de Titanomaquia
no Caiçara Clube
Das viagens tridimensionais em Alto Paraíso
Tudo existiu naquelas noites libertárias
de fogueiras e rituais xamânicos
Fiquei até seis da manhã no Caribe
escutando aquele cantor e seu teclado
a tocar músicas de amor.
O garçom disse que teu recado
era ir para o Paraguai.
Continuei escutando as baladas românticas
Tomei um ônibus e fui do Ceará até Cuiabá
Não nos encontramos até chegar na Jamaica
Andando pela Avenida Paulista um jatobá
descreve a cena do crime de forma prosaica
Uma resiliência ofegante
toma conta dos ditos cultos
que cantam de forma fusta
em seus importantes blogs
Parei ali na Augusta
Tirei umas notas velhas do bolso
paguei o ambulante
e comi meu dog
O dia que Fernando Pessoa tomou um porre comigo
Em mesas de botecos líricos
em quartos de tempos imensuráveis
Conto os dias de uma contagem infinita
De sentir o que não se deve sonhar
Não quero parar de amar
Tomo outra dose de cachaça
olho diretamente para você
aí sentada no balcão
Não saia derrotada
deboche
jogue o copo na minha cara
Seu tempo é agora
veja
a negra fama da minha alma
Fernando Pessoa uma vez
me disse não saber quantas almas tinha
pois cada momento o mudou
e o próprio tempo também
Falou ainda que continuamente
se estranhava e nunca se viu
ou de trejeitos se achou
Fui mais além
Meu bem
Na casa das luzes vermelhas,
com muitas mesas
dois gatos pingados
a pinga na garrafa
e o velho seresteiro
com seu teclado
a tocar Odair José
Bebo a última dose
quero rock
desencanei meu bem
Origem das Espécies
Os bytes escrevem nas manhãs póstumas
Códigos binários caminham pelas ruas
Chips implantados posicionam discos rígidos
Olhos mecatrônicos dispersam sexos vívidos
Mapas cibernéticos das carnaúbas
em sertões virtuais demandam
seres infláveis
Softwares anárquicos, matam saúvas
organizam o caos de carne e osso
seres inflamáveis
Os beats escrevem a liberdade inebriante
Códices ordinários completam frases nuas
Chiques emuladores em festas idílicas
Poros catalisadores suam gotas sílicas
As mesas de bar estão cheias de máquinas
a vida líquida é armazenada em nuvens
as expressões são extintas por plásticas
o fêmur de titânio transmuta as origens
A inteligência artificial não é maligna
é objetiva, rápida e eficaz
O Homem, por outro lado, resigna
é obsoleto, lento e jaz.
$O Evangelho$
Nas escadarias sombrias de prédios abandonados
nasce uma classe de zumbis
Nas pradarias longínquas de Brasília
ratos se apossam dos corpos democráticos
As ruas da metrópole estão cheias de papéis
conservadores
Árvores caminham em protestos libertários
Paisagens em câmera lenta e os desígnios
limitadores
Fundamentalismos entre paredes cinéticas
trafegam nos aceleradores de partículas
Não há mais cabrestos disponíveis
Nas votações inexoráveis
O pelego está à solta
As liquidações de palavras
violentam as casas de bonecas marginais
Cada sorte proclama seus sigilos
Macacos voadores estagnados em congestionamentos
não querem mais o céu
Musgos mutantes impregnam o Congresso Nacional
O contágio é iminente
lentes letárgicas conspiram, é o Cinema Nacional
O subversivo é preponente
Plantações subcutâneas de nanorrobôs
informatizam a distopia cotidiana de nossas vidas
Ditam os praguejadores da liberdade
conservadores se alimentam das latas de sardinha
Nas escadarias da Catedral da Sé
dormem desejos famintos de fé
perambulam sonhos molhados pela chuva
morrem esperanças secas, vontade e luta.
Galeria: Leonora Carrington
Daniel Perroni Rattoé poeta, jornalista, músico, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA/USP. É autor dos livros, Urbanas Poesias (Ed. Fiúza, 2000), Marte mora em São Paulo (A Girafa, 2012), Marmotas, amores e dois drinks flamejantes (Ed. Patuá, 2014) e VoZmecê (Ed. Patuá, 2016). Participou das bandas Loco Sapiens, Criolo Branco e Luz de Caroline. Foi cronista do UOL Música, colaborador na editoria de música do portal Culture-se.com e continua a colaborar com o jornal Diário do Nordeste. Faz parcerias de composição com algumas bandas promissoras na cena paulistana. Em 2015, participou com poema e voz da música “Brasil”, da banda Bleck a Bamba, ganhando o segundo lugar de melhor música do Festival de Rock de Indaiatuba. Seus poemas também estão em revistas literárias de todo Brasil como a Revista Gente de Palavra (RS), Mallarmargens revista de poesia & arte contemporânea (PR), Revista Quincas (SP), Jornal RelevO, Revista Subversa, entre outras. Curador de eventos literários como a Quinta Poética na Casa das Rosas, também participa ativamente da cena de saraus em São Paulo. Em 2015, Daniel Perroni Ratto foi um dos poetas selecionados pela curadoria do evento para integrar a “Exposição Poesia Agora”, no Museu da Língua Portuguesa, em 2017, na Caixa Cultural de Salvador e atualmente, em cartaz na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. No segundo semestre de 2017, Daniel abrirá a Editora Algaroba, que se dedicará à literatura contemporânea brasileira.