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7 poemas de Gabriel Cortilho

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INEXORÁVEL

nascem caminhos tortuosos
taquicardias inevitáveis
orgasmos e amoras

azedas

ser transitório
no teatro dos vivos,
é fazer perdurar o fogo
sem roteiros previsíveis


qual a brasa intensa
no corpo mundano
do cigarro

corroendo,
aos poucos,
o carbono do alcatrão

eis a morte:
Luz indecifrável

emana a necessidade latente
de fazer da vida o brilho vívido
que pode, inevitavelmente,

cessar


INUTENSÍLIO

são inúteis os poemas
sem validade financeira
diante dos investidores

afoitos

e no fundo,
assim é melhor:
sem pragmatismo

o arrebol lilás
o orgasmo selvagem
ou um gol - nos acréscimos

não devem ter razão de ser

pois toda poesia
é uma palavra
grávida

áspera,
qual pedra
na garganta
transita inquieta
no limiar da loucura
em movimento
no âmago
do ser

eis o poema,
um inutensílio:

avesso às certezas
fabricadas por homens

que fodem com números


DESPATOLOGIZAR

a fumaça do que penso
nem sempre sublima

fica: permanece
até sangrar
na noite

fosse menos severo
escreveria mais azul
dançaria qual fêmea

à revelia das normas
convenções dogmas
até nascer o poema
calmo e livre

arrebol

distante do diagnóstico
que diz ser transtorno
a orquídea

presa ao meu sexo




VONTADE DE POTÊNCIA

em vão os homens cercam-se de mortos
tragédias, angústias e seguem caminhos
povoados por tristeza, cinzas e incerteza;

mas Renoir não pintou em preto e branco
e Miró, com a tinta pulsando nos poros, 
não mesclou cores vívidas para sucumbir
diante dos exércitos que nos entristecem

o canto do bem-te-vi insiste em recordar:
há ainda tempo de resistir aos vendavais
deixar a resignação aos espíritos turvos
abrir os olhos sobre as nuvens e bradar

contra as forças que nos impedem
de ser aquilo que queremos

porque, no fundo,
morrer é simples
o difícil mesmo

é viver


A POEIRA DAS ESTRELAS

especuladores da fé e da razão:
homens, pequeninos, tão cruas
as convicções que lançam

ao vento

aparentemente opostos
há algo em comum
entre ambos:
o martelo das certezas

do crente, imerso na sedução dos párocos
ao ateu, poço irresoluto de incredulidade
para uns, a redenção do além-mundo
para outros, o pó que nos reduz
ao indecifrável

Nada

permanecem em disputa
afiando a virulência
dos dogmas

o peso da incerteza, contudo,
insiste em recordar aos homens
que a dúvida é a real força motriz
diante do Mistério

oculto

ainda somos a poeira
na magnitude das estrelas 
uma partícula ínfima no teatro

dos deuses


ESTRANHAMENTO

confrontar o ego
desvela fissuras
no teu cristal

freud chamou
inconsciente
jung disse

alma

e percebes
que, no fundo,
és desconhecido
dentro de ti mesmo

um estrangeiro 
em teu frágil

corpo


RESPIRAÇÃO

Para Manoel de Barros, onde estiver.

conversa furada
intriga de mosca
homens-relógios

nos transformam
em seres

vazios

ele era diferente
usava as palavras
para compor

silêncios

títulos, publicação
rótulos, academia

no ar do pantanal
a ânsia de manoel
era para que tudo

respirasse poesia


Ilustrações: Michal Zahornacky


Gabriel Cortilho (1992- ) é poeta, músico e professor de História no cursinho popular do IFSP, em Araraquara, no interior de São Paulo. Possui como referência a poesia de Manoel de Barros e Fernando Pessoa. Tem poemas divulgados pelas revistas O Poema do Poeta; Mallarmargens e Escrita 47 (Guatá- Cultura em Movimento). Organiza seus escritos no formato de livretos Atemporal/Cronológico (2014), Transitório (2015), A Transa dos Besouros Verdes (2016), O Poema e a Cachaça (2017) e Javali Radioativo (2017). 


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