gosto da flor com raiz
da poesia simples com conteúdo
das margaridas selvagens
se esparramando no absurdo
do beijo maduro
do limão suculento
da casca guardando tutano
gosto da fundura de uma alma
por trás de olhos vivos
gosto da dieta variada do salmão
que nadou livre num rio
gosto do amarelo alaranjado de felicidade
do ovo da galinha que ciscou
gosto do que foi galado, do que viveu
da nuvem cheia que absorveu
gotas variadas de perfumes terrestres
gosto da sua pele que transpira
o que escorreu das suas veias estradeiras
gosto do que eu não vejo
e é o melhor segredo
que na boca estoura
* * *
como são apertados os sapatinhos de cristal
como são quadradas as molduras
dos sonhos alheios
e me apertam os passos e o peito
as responsabilidades que não me cabem
e no entanto me prendem
a mulher que em mim não existe
e no entanto outros olhos veem
como são quadradas as molduras
dos sonhos alheios
e me apertam os passos e o peito
as responsabilidades que não me cabem
e no entanto me prendem
a mulher que em mim não existe
e no entanto outros olhos veem
* * *
Se eu pudesse explicar com palavras
o furacão do meu peito.
Se eu pudesse desenhar,
dar bons exemplos.
Se eu pudesse esquematizar,
facilitar o que até eu não entendo.
o furacão do meu peito.
Se eu pudesse desenhar,
dar bons exemplos.
Se eu pudesse esquematizar,
facilitar o que até eu não entendo.
Do não dito, do aparentemente impossível,
eu juro, não dou mais nenhum pito!
Eu só posso me expor nos sentidos,
longe dessas palavras que agrupam mentiras,
medem os passos e os atritos.
eu juro, não dou mais nenhum pito!
Eu só posso me expor nos sentidos,
longe dessas palavras que agrupam mentiras,
medem os passos e os atritos.
Se eu pudesse explicar o que sinto,
eu apenas diria: observe essa risada
depois do vinho, esse grito de alívio,
esse descontrole maldito,
esse momento indeciso
e essas palavras que duvidam.
eu apenas diria: observe essa risada
depois do vinho, esse grito de alívio,
esse descontrole maldito,
esse momento indeciso
e essas palavras que duvidam.
* * *
Não adianta seguir um guru,
não adianta fumar cigarro da paz,
beber o chá transcendental,
não adianta ser legal,
usar metáforas bem elaboradas,
mostrar a superioridade de um ser
que sabe usar bem as palavras,
não adianta seguir uma virtude qualquer que seja,
se ela é dogmática.
Não adianta as coisas que amparam
se a alma nua não se sustenta,
não adianta tirar a roupa, despir a pele,
amassar as máscaras sociais
se antes de mostrar-se cru, virgem,
frágil, vulnerável, desconhecido de si mesmo,
a poeira do medo servir de escudo,
o primeiro jornal gasto servir de veste,
como quem sem querer captura no vento
a primeira coisa que possa cobrir
a feiura e a insegurança do sem nome.
não adianta fumar cigarro da paz,
beber o chá transcendental,
não adianta ser legal,
usar metáforas bem elaboradas,
mostrar a superioridade de um ser
que sabe usar bem as palavras,
não adianta seguir uma virtude qualquer que seja,
se ela é dogmática.
Não adianta as coisas que amparam
se a alma nua não se sustenta,
não adianta tirar a roupa, despir a pele,
amassar as máscaras sociais
se antes de mostrar-se cru, virgem,
frágil, vulnerável, desconhecido de si mesmo,
a poeira do medo servir de escudo,
o primeiro jornal gasto servir de veste,
como quem sem querer captura no vento
a primeira coisa que possa cobrir
a feiura e a insegurança do sem nome.
Não adianta percorrer-se
se a honestidade não é consigo mesmo,
antes de encarar o espelho,
naquele momento de silêncio,
em que ninguém olha
e no entanto
seu coração ainda bate.
* * *
eu não vou ficar sempre aqui na esquina
plantando batata doce
baroa, mandioca
manjericão, manjerona
eu não vou ficar à toa
nesse sinal semifechado, amarelado
como o meu semissorriso
tomando cuidado, falando aos sussurros
com a sua mão. não
pescando lambari
e vendo o tempo passar
cozinhando o coração devagar
enquanto você segue à risca
sua rotina de seguir a trilha
e preservar as vísceras
que poderão estar apodrecidas
quando finalmente você decidir
vir me encontrar aqui
nessa velha esquina
plantando batata doce
baroa, mandioca
manjericão, manjerona
eu não vou ficar à toa
nesse sinal semifechado, amarelado
como o meu semissorriso
tomando cuidado, falando aos sussurros
com a sua mão. não
pescando lambari
e vendo o tempo passar
cozinhando o coração devagar
enquanto você segue à risca
sua rotina de seguir a trilha
e preservar as vísceras
que poderão estar apodrecidas
quando finalmente você decidir
vir me encontrar aqui
nessa velha esquina
* * *
Tá aqui no dorso da minha mão
a casquinha da queimadura que fiz no forno da sua casa
assando as bananas quase estragadas
e fazendo carinho no meio ambiente.
Era pra você o doce de banana
e a ação política que você tanto gosta.
Preservando, meu querido, acariciando a gente.
O esperma ainda no corpo, o cheio ainda nas veias.
Era pra você esse leito morno,
esse corpo entregue, essas surpresas em cada curva,
poderia perder dias tentando achar e encontrando,
mas você só pegou os brindes superficiais.
Tá aqui na língua o amargo do doce que me foi arrancado,
da lambida que foi pela metade,
do abraço que virou empurrão.
Estão aqui, as cachoeiras que você abriu em mim
e teve medo de se banhar na parte mais profunda.
* * *
passou…
tanta coisa
passou
passou o trem, passou o tempo
o vento levou
me transpassou
atravessou
rápido, raio
passou em torno
sopro de soslaio
passou, entrou, transformou
saiu
prosseguiu
voou
me deixou a ver navios
de um tempo esfarelado
pelas traças extintas
passou o arrepio
passou o turbilhão
passou o que ficou em mim
a 7 palmos do chão
esfacelou
meu coração
passou
tanta coisa
passou
passou o trem, passou o tempo
o vento levou
me transpassou
atravessou
rápido, raio
passou em torno
sopro de soslaio
passou, entrou, transformou
saiu
prosseguiu
voou
me deixou a ver navios
de um tempo esfarelado
pelas traças extintas
passou o arrepio
passou o turbilhão
passou o que ficou em mim
a 7 palmos do chão
esfacelou
meu coração
passou
Clara Baccariné do interior de São Paulo, formada em Letras pela UNESP (Araraquara), universidade em que recebeu título de Mestre (2008). Depois foi conhecer o mundo, e morou na Austrália, Chile e Hungria.
É autora do livros Castelos tropicais (romance, ed. Chiado, 2015), Instruções para lavar a alma (poesia, ed. Sempiterno, 2016) e Vibrações e Descompasso (crônicas, ed. Laranja Original, 2017). Escreve para diversos sites (Conti outra artes e afins, Fãs de psicanálise, A soma de todos os afetos) e teve treze de seus poemas gravados no CD Lavar a Alma (com Itacyr Bocato, Luciana Barros, Filipe Moreau e outros).
Além de escritora, trabalha como editora, faz divulgação em mídias e produz eventos culturais.
Etiquetas: 2017 Clara Baccarin mallarmiga poemas vol 6 num 2