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5 poemas inéditos de José Maria Carvalho da Silva

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PASSIONAL(I)DADE

Chegastes como chegam os pássaros de outras ilhas
e o vendaval enfurecido e grávido de poeira,
folhas secas e papeis perdidos.
Mas desta vez não abrirei a porta
e fecharei as janelas de forma brusca
para que saibas que não estou de brincadeira.
E fria/mente botarei a cara no tempo com os olhos cegos para tua luz
e sem medo dos pássaros de outras ilhas,
do vendaval enlouquecido, das folhas secas
e dos papeis amarelos e sem palavras.
há agora entre mim e ti, um abismo de fogo
e dentro dele criaturas horrendas xingam teu nome,
e ainda que eu me revolte contra isso
uma corrente de titânio  e mil quilos de chumbo escravizam meus pés.
Por isso rogo que vás embora
E leves contigo os pássaros das ilhas distantes,
os vendavais com suas folhas magnéticas
e os papeis sujos e vadios,
Eu só quero o silencio da minha casa escura
e solitária cheia de fantasmas que nas madrugas frias perguntam por nós.




SOBRE A PROFUNDIDADE DOS TRISTES
                      
O fundo do poço distorce o voo dos pássaros
O fundo do poço apaga o rastro de fogo dos meteoritos
O fundo do poço diminui o som metálico dos aviões
O fundo do poço muda a trajetória da queda da folha
 na mão de uma estátua de pedra
O fundo do poço despedaça sussurros e assovios em noites desabitadas de azuis longínquos
O fundo do poço cansa a velocidade dos pés na areia de uma praia deserta
O fundo do poço desafina um concerto de cordas para um amor pulsante
O fundo poço inaugura pontes sobre  rios extintos
O fundo do poço dialoga com  paredes e nuvens de pensamentos voláteis
O fundo do poço entrega sem o canto dos galos uma manhã a outra tarde
O fundo do poço se confunde na própria profusão de dialetos e sinfonias bizarras
O fundo do poço é a redundância de si mesmo.
É a cama onde os sonhos arquejam.



SOLIDÃO I

Nunca foram  tuas mãos
 a correnteza inaugural de um rio temporário
Nunca foram tuas palavras
 o afago  quente e líquido dos chás
 entre  conversas sem importâncias
 e tardes cansadas  de pessoas e sol,
nunca foi o teu abraço a ternura
das fogueiras em noite frias
e a admirável contemplação do teu sono
entre cafunés e músicas tristes,
nunca foi o teu caminhar pelo quintal
 entre canteiros de ervas aromáticas,
 raízes desenterradas
e frutos temporã,
a preparação do dia seguinte.
Porque nunca houve essas tardes,
Essas tarde em que serias novamente minha
Depois que as visitas fossem embora,
Mesmo assim guardarei nossas alegrias
 e planos mirabolantes
no cofre onírico dos segredos inventados.

       
    
SOLIDÃO II

Nada haveria de falar nessa manhã tardia
Entre garrafas vazias de sonhos
E outros líquidos coloridos
O meu despertar é somente para abrir os olhos míopes
E as cortinas brancas da casa azul e distante,
Há tempos é assim:
Esse longo tempo em mim,
Esse tédio não vencido,
Essa busca sem esperança,
Esse barco velho e encalhado
Essa casa antiga e demolida
E esse grito estilhaçado pelo silencio.
caminhar, caminhar, caminhar
até que se acabe toda a terra
até que sangre os pés
nas guerras ou nas marés.
Todo desespero é essa manhã sem sal,
é esse livro fossilizado no sofá
é essa preguiça de escovar os dentes amarelos
 e cuspir restos de falsos beijos
 nos quintais verdes e muros cinzentos
 fatigados, limitados, narcotizados, mijados,
 violentados, grafitados, sacrificados, arruinados,
esquecidos, calados... caladosssss!!!!
                                                    cal
                                                           cala
                                                                   alados
                                                                              lados
                                                                                         dos...
                                                                   
Se como o pão que o diabo amassou
É pra me livrar dessa fome que tive por ti,
Dessa música de chuva e correnteza
 que continua em mim
mesmo quando um sol antigo
recita labaredas de fogo pelos espaços da casa.

Ainda assim, nada direi desse resto de sono
espalhado no assoalho frio do nosso próprio abandono.



SOLIDÃO III

Algo em nós e no abismo
se moveu como se distancias e vestígios
 soterrados não aflorassem com o tempo, 
como  se pedras jogadas no lago
não atingissem a lua minguante,
como se nossas mãos sobre a fogueira
não pudessem acordar as ondas sonâmbulas
nas  praias mudas de ventos.
Algo em nós e no tempo
nos devorou  de forma  selvagem e desesperada,
como o fogo na savana em dias de sol e ventania.
E quando fomos separados pela lâmina  de nossas próprias tragédias e contratempos,
o ciclone do esquecimento nos arremessou
 para além das fronteiras conhecidas.
 desde então, somos maiores que o deserto, o oceano e o abismo.


Galeria: Gabriel Isak


JOSÉ MARIA CARVALHO DA SILVA,  nasci em num povoado denominado Lagoa Seca pertencente ao município de Vargem grande. Ganho o pão de cada dia lecionando em escolas públicas da minha terra natal, e além de ler e escrever poesia e contos que são meus passatempos sérios, ainda tiro um tempo para pescar e nadar-  desta forma, persigo  o  equilíbrio nessa corda bamba esticada sobre o caos que abisma a existência.

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