Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

3 POEMAS INÉDITOS DE ANDRÉ CARAMURU AUBERT

$
0
0




hinterland


desde pequeno me fascina a palavra
hinterland, palavra que é mais palavra que sertão,
alemã de nascença naturalizada nossa, que viaja
para além da cordisburgo do rosa de espinhos e do gado,
palavra que é rondon e cinta-larga, que é falada
no ritmo lento com que ia sir richard burton no lombo
de uma mula a contemplar o céu infinito do cerrado,
palavra que é saint-hilaire e mawe e florence e von martius e
langsdorff, que é própria dos loucos missionários salesianos
a aparar em nome do cristo-rei os cabelos e as almas dos bororos
de mato grosso, o hinterland brasileiro, ah, a
palavra/sonho de theodore roosevelt, das carnaúbas em flor,
dos rios traiçoeiros transpostos em pinguelas bambas,
palavra das infinitas cachoeiras, das serras dos espinhaços de pedra bruta
brilhando ao sol, das veredas labirínticas, daqueles
planaltos sob o calor opressivo do meio-dia quando só moscas riscam o ar,
palavra das emas, das onças, das serpentes, do canto
de mais pássaros do que há cores para descrever, palavra da vida
e da morte a espreitar numa curva de algum caminho.


a dança dos paralelepípedos


enquanto você tão linda sonhava
que o silêncio daquele riacho pudesse
fazer negra a luz do sol, enquanto isso
bem aqui ao lado, numa grande e íntima
festa, pesados paralelepípedos
de granito cinza dançavam, leves
como plumas de andorinha,
felizes felizes e paradoxais
como eles só.


tempo



sabe?, eu sou aquele menino
que se esticava, que ficava na ponta
dos pés só para alcançar a vista da janela,
e que conseguia, e que via as copas das
árvores do colégio de freiras que havia
do outro lado da rua e, longe, quase a sumir
no horizonte, uma serra azulada e, sobre ela,
o céu e as nuvens. eu sou aquele menino
que chamava, vó?, e ela respondia,
eu perguntava, ela me tranquilizava,
dizendo que estaria sempre ali, sempre,
sempre que eu chamasse.



*    *    * 





André Caramuru Aubert nasceu em São Paulo em 1961. É editor, tradutor e escritor. Já colaborou com publicações como O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Atualmente é colunista da revista Trip e colaborador do jornal Rascunho, para o qual mensalmente seleciona e traduz algum poeta estrangeiro. Publicou, pela editora Patuá, os livros de poemas Outubro/Dezembro As cores refletidas nas lentes dos seus óculos escuros. E pela editora Descaminhos os romances A Vida nas MontanhasA Cultura dos Sambaquis, Cemitérios e Só uma estranha luz como pensamento.

Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

Latest Images

Trending Articles