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6 POEMAS DE CAMILLO JOSÉ

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Netuno

deitado defronte ao
pôr do sol com os
ouvidos imersos no
firmamento celestial
eu quase posso ouvir
teu coração marinho
batendo surdo no núcleo
do ventre maternal
pedindo freneticamente
aos outros deuses do
olimpo que desfaçam
pra sempre o vínculo
ancestral entre o
umbigo sem fundo
do mundo e o teu
cordão umbilical.



tourada


no primeiro domingo de
junho na Plaza de Las Ventas
como combinado você
virá desfilando em trajes
de luces azuis com detalhes
dourados trazendo a última
rosa magenta dos emirados
árabes no canto da boca
enquanto na arquibancada
a plateia enlouquecida gritará
xingamentos estrangeiros e
onomatopeias desconhecidas
como numa partida de baseball
esperando pelo dado momento
em que alguém irá abrir as
grades e me jogar sem roupas
na arena feito uma minhoca
no anzol para que possamos
finalmente resolver nossas
pequenas diferenças históricas
sob o sangrento sol espanhol.



Para Monet


ilustríssimo
hoje em particular
estamos belíssimos
tingidos de luz e como
todo bom quadro
impressionista exigimos
uma lista generosa de
mimos começando por
luvas azuis de gala guarda-
sóis femininos abstratos
uma esquadra de barcos
fenícios batizados com nossos
nomes fictícios e um cardápio
de queijos frutas e vinhos para
o tradicional piquenique ao
fim da tarde no jardim principal
caso contrário sugerimos que
procure outro casal ou alguma
madame pálida que se preste a
passear pelo campo de
vestido branco barato
e floppy hat colossal.



Nighthawks


éramos dez
dedos curtos
monocromáticos
suados e entrelaçados
balançando no ar
involuntariamente
e a rua mato grosso
- nossa filha adotada-
cheia de pés ocultos
e braços articulados
andava nua e descalça
de mãos dadas com a gente.



Pandora


ao violar a promessa sagrada
e destrancar a trava de ouro
etéreo com a chave de ferro da
curiosidade ao invés de todos os
medos e males do mundo ocidental
saíram de dentro da caixa misteriosa
embalagens viscosas de balas de
caramelo diários abertos em páginas
proibidas figurinhas repetidas
furtadas dos colegas do colégio
panfletos aleatórios colecionados
sem motivos concretos fragmentos
verdes-esmeralda e roxos acinzentados
de uma aurora boreal bilhetes
não enviados para amores
secretos e uma baleia jubarte
em tamanho real.



post-mortem


debruçado na sacada
diante do cemitério
de prédios e automóveis
eu ainda espero teu
espectro de ar esquelético
atravessar a cavalo
o hemisfério norte
pra inverter meus
pólos magnéticos
ou me dar um beijo
de boa sorte.



foto: Netuno na orla de Ocian/ SP

*    *    *


Camillo José reside na região metropolitana de Recife e está cursando letras na Universidade Federal de Pernambuco. Gosta de poesia contemporânea, música experimental e nutre uma paixão por búfalos americanos e baleias jubarte. Escreve aqui. Email.



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