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o olhar refigurado em filtros saturados e o pó dos dias nos poemas de Thiago Scarlata

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Cinzeiro

Tempo, esse velho surdo e apressado
que não mede a teia que tece
desobriga grão a grão
(sem qualquer objeção)
pastoreando em rostos e restos

as cinzas de minha avó
ainda conservam sua leveza
sutileza-pó

guarnecido pelo silêncio
e tragado pela digestão da manhã
saco o verbete:
"só há disparo quando o peito engatilha"
enquanto uma infame ogiva
beija o chão da Palestina

as cinzas de meu avô
ainda conservam sua decência
granulado-humor

após sua leitura este poema
deve ser cremado e distribuído
no mais próximo mato
[mini monte de métrica poeira]
fermentando, assim, de alguma maneira
o devir do pasto

quanto ao poeta mais pra frente
a tradição jogando laço,
selando o corpo
pairá fibra e porosamente
deixo aqui testamentado:
às minhas cinzas,
o sopro





Refração

o cego compõe
suas próprias cores,
sua cidade.
não é o cego um condenado

como a sombra
que é o jeito da luz
ser as coisas que toca,
ele tem um hábito





Matinal

teus cabelos acordam
teus olhos, ainda cheios de noite
custam amaciar a luz prematura
e o leve atraso
da voz que ainda dorme
o celeiro do último sonho
[cheiro de café é canto de galo]

enquanto nascer pão
adotarei o trigo maduro
e as margarinas.
a fera do bule ebuli
vertendo o incenso da cafeína.
o primeiro contato com o fogão
inaugura a fronteira do mundo





Turista

o olhar turista
é um olhar
faminto

de cômica
violência

retina
atônita

lambendo tudo
que o guia
aponta

rindo

pelos

olhos

levam na mala
outra cidade
que não a nossa




____________________________________

Thiago Scarlataé poeta, músico, escritor. Teve poemas publicados nas Antologias “Âmago” (Editora Regência/SP - 2011) e “Prêmio Sesc de Poesia Carlos Drummond de Andrade 2016” e também nas Revistas “Gueto”, “Escamandro” e “Poesia Brasileira Hoje”, além de blogs literários. Foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2016 , vencedor do Concurso Motus – Movimento Literário Digital 2017 e finalista do III Concurso de Poesia “Prêmio Jayme Roldon 2011. Após esse hiato de 5 anos, retoma a escrita e agora publica seu primeiro livro de poesia, de título “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo”, pela Editora Multifoco.

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