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Sete poemas inéditos de Carlos Moreira

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*

eu vejo cabelos brancos
na fronte do artista

cometeu muitas
revoluções, canalha?

estuprou muitas palavras?

roeu a corda toda
do sentido?

passou noites e noites
dentro do inferno branco?

lutou contra os medíocres
mas eles eram teus reis?

comeu a própria língua
até estar deserto de si?

eu sei que te seguem
passo a passo

eu sei dos que desejam
te cegar

mas o sol da tua boca
permanece

e como um cancro
um canto um furúnculo

ele ainda há
de germinar

*

Explicação

quando o avião
caiu e explodiu
de bico no chão
todos os corpos
foram compactados
na cabine do piloto
e incinerados juntos

foi assim que
o lábio inferior
da aeromoça morena
veio fundir-se ao meu

*

sei todo o mistério de um cão:
ser sem saber o que se é
jamais carecer da razão
e estar onde o corpo estiver

sentir o presente no vento
a simples vitória de ser
o que não sabendo do tempo
jamais saberá do morrer

são deuses portanto: ou quase
são anjos possíveis sem asas
quasares que cabem em casa
em olhos silêncios ciladas

sei todo o mistério de um cão
e sei que ainda sou nada

*

acaso eu me fizer estorvo
em emaús, a estrada segue

acaso caia a casa sobre nós
e toda a aldeia se incendeie
a estrada segue

acaso
a própria estrada vire nada
pó de poeira passada: segue

é nosso este futuro, esta asa
nesta pedra: voa, febre

*

são todos negros
são todos brancos

são todos cegos
são todos mancos

são todos velhos
são todos tantos

são todos erros
todos humanos

*

Casamento

devorou a noiva
devorou o padre
e os padrinhos

palitou os dentes
com o broche
da futura sogra

limpou a boca
e as mãos vermelhas
na toalha do altar

saiu assoviando
a marselhesa
em tom de samba

*

respiro a teu lado no elevador
enquanto tento disfarçar o fato
de que não passo de um minotauro
entre teu perfume e a gravidade

só parte do que sou é que respira
movente imóvel neste ar quadrado:
meu outro lado só espreita a presa
enquanto se prepara para o salto

que não virá: nós dois estamos presos
nesta armadilha vertical e burra
(não este elevador mas a cultura)
antifontana de qualquer desejo

a porta abre em teu andar agora
e para sempre eu nunca mais te vejo

*


Carlos Moreira nasceu em 1974. Publicou os livros Tetralogia do Nada, Cardume e Corpo Aberto. Os sete poemas acima são do livro O Lado de Fora do Dentro, sem previsão de lançamento.

Etiquetas: 2017. Carlos Moreira mallaramigo poemas vol 6 num 1



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