visão noturna
Depois de “Night Turn”, de W. S. Merwin
em noites não muito quentes, às vezes
sair de casa, na direção da praia, me
virar e olhar a sensação de aconchego, as
lâmpadas iluminando tudo, a luz vazando em
raios amarelos pelo telhado irregular e pelas
frestas das janelas, e me ver, de fora, ali na
cozinha, com você e amigos e filhos, bebendo
e conversando e rindo e preparando o jantar.
sair de casa, na direção da praia, me
virar e olhar a sensação de aconchego, as
lâmpadas iluminando tudo, a luz vazando em
raios amarelos pelo telhado irregular e pelas
frestas das janelas, e me ver, de fora, ali na
cozinha, com você e amigos e filhos, bebendo
e conversando e rindo e preparando o jantar.
um sonho
Depois de “A canção de A-na”, de Zhu Xizhen
no mar, bem ali na frente da casa onde nasci
e que não mais existe, nadavam um hipopótamo,
um búfalo e dois elefantes – um deles adulto, talvez
a mãe e um filhote. mas foi o hipopótamo que
deixou a dona dos bichos histérica,
berrando descontrolada pela praia: porque
para ela, por algum motivo, o hipopótamo –
que na realidade era o mais capacitado
para a tarefa, eu pensei enquanto sonhava –
não deveria estar nadando.
e que não mais existe, nadavam um hipopótamo,
um búfalo e dois elefantes – um deles adulto, talvez
a mãe e um filhote. mas foi o hipopótamo que
deixou a dona dos bichos histérica,
berrando descontrolada pela praia: porque
para ela, por algum motivo, o hipopótamo –
que na realidade era o mais capacitado
para a tarefa, eu pensei enquanto sonhava –
não deveria estar nadando.
o mar e o céu estavam com cor cinza e
a sensação geral era ruim. despertei tenso,
três e pouco da manhã, ouvindo os sabiás insones de são paulo
e, como os sabiás, não mais dormi.
a sensação geral era ruim. despertei tenso,
três e pouco da manhã, ouvindo os sabiás insones de são paulo
e, como os sabiás, não mais dormi.
quando
Depois de “You're gonna make me lonesome when you go”, de Bob Dylan
quando o vento inesperado esparramou tanto as folhas úteis e as inúteis
de papel sobre a mesa
de papel sobre a mesa
quando o sol de inverno iluminou amarelo-estranho a soleira da porta
quando o cheiro de café vindo da cozinha pareceu diferente, nem pior nem melhor:
diferente. e
diferente. e
quando aquela formiga atravessou calma-diagonalmente a parede diante de mim
eu soube
diante de todos estes sinais eu soube, ah, eu soube, soube na hora
[embora o desfecho ainda possa demorar] que
você acabará por me deixar
me deixar sozinho sozinho
quando chegar a hora
e eu for embora.
* * *
André Caramuru Aubert nasceu em São Paulo em 1961. É editor, tradutor e escritor. Já colaborou com publicações como O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Atualmente é colunista da revista Trip e colaborador do jornal Rascunho, para o qual mensalmente seleciona e traduz algum poeta estrangeiro. Publicou, pela editora Patuá, os livros de poemas Outubro/Dezembro e As cores refletidas nas lentes dos seus óculos escuros. E pela editora Descaminhos os romances A Vida nas Montanhas, A Cultura dos Sambaquis, Cemitérios e Só uma estranha luz como pensamento.