[Francesca Woodman]
Manual para anfitriões
Varanda
1.
Recorrer às ruínas
para que saibamos a direção de cada toque.
Preparar a mesa e o jantar
para o estranho sentar.
Deixar ele se servir primeiro.
Combater a mim, que fiquei.
Interpretar carinhos tímidos.
Sentir o prazer chegar, e ir
no gozo seco.
Abraçar o exílio.
Os movimentos são sempre pra frente, suponho.
Traçar rotas
e dissimular.
Reverenciar a solidão.
Ocupar-me com tarefas domésticas.
A primeira: trocar a fechadura para que o estranho não entre!
Lembrar-me de não perder as chaves.
Lavar a louça quebrando menos louça.
2.
São pretensões mesquinhas contar que, atenta:
sinto escorrer pelos dedos as horas?
Tenho escrito manuais e pensado em estratégias,
jogado com entrega e cinismo,
ouvi aquela música do Tim Maia.
3.
Rotas traiçoeiras
o sol queimando
palavras que
com maestria
você apresentava
para ouvidos sedentos,
pois disponíveis.
Imaginava.
Sua boca seca
meu olhar distraído no musgo
que cresceu no portão
nas moscas em volta do adubo
minha tentativa de adornar,
trapacear,
enquanto você não chegasse.
Para que começássemos
outra vez
o ritual inútil de pretender irmãos
países em guerra.
I told you when i came i was a stranger
Lutamos contra coisas distintas?
Silêncio,
tédio.
Acho graça.
Vou buscar água.
Parte 2
Pendurei um quadro discreto:
para me lembrar
dos protocolos invisíveis.
O jogo de mesa,
aquele comprado no verão
em que o sol cozinhou meu corpo
e a cólera:
Um cartão de visitas.
Mais cuidado
com as travessas cheias de comida
que derrubo
limpo
e torço para que não se machuquem com o vidro
porque não se desperdiça comida
apesar de gostar de imaginá-los
mastigando
o vidro rasgando
a garganta
sangrando
mas eles nunca se machucam
porque nem olham o quadro que pendurei
talvez por ser discreto.
*
Deste que ocupa seu tempo com tarefas mais nobres
invejo apenas a destreza nos movimentos,
a firmeza ao tomar tudo o que é seu por direito.
Tudo em seu tempo:
Escova,
barbeador,
toalha,
eu.
Espelho
Dessa distância segura,
em que a imagem não me olha de volta,
não transpô-la,
pode ser uma promessa.
Fingir que o outro apenas escolhe
não me ver.
Curva,
o assombro
perscruta.
***
Laura Vaz nasceu em São Gonçalo, 26 anos. É professora de Filosofia no ensino médio, atualmente cursa o mestrado em Estética e Filosofia da arte na UFF.