entrei no beco
das putas que cobram pouco
em que as palavras são silenciosas
em que o sangue e a bile cantam com olhos
ao escorrer do coração à vagina
três dias por mês
sangue fétido de bile
o último mistério do elêusis
pitonisa-gueixa
assassina fria
faço-me vadia e te alforrio, homem
deixo-me sangrar
adrede
para te ver secar
para sorrir bem nos teus olhos
quando não mais sentir
amor ou ira
e tuas lágrimas
mas que peninha, bozo
me comoverão como o cheiro
da lama ao bocejar do esgoto
***
Bom mesmo é um amor fudido
Desses que envergonha a gente
Desses que somos capazes de matar (de morrer, não, vai que com a morte passe)
Um amor fudido, um vexame
Ante família, colegas de trabalho e amigos,
Desses que a gente diz que acabou a toda hora
Mas está em eterna e reflexiva cheiração de cu (secreta)
Fedido, fudido e arreganhado
Chulo até dizer basta, e nunca o "chega!" chega
E nunca o "basta!" basta
Amor fudido de bastardo
Renegado, prostituído
Que mostra pra gente porque Proust é Proust
Fudido que é bom, depois que passa é só nojo.
Nem foi conosco
Agora amor bem-amado, cheirosinho,
Porra, é utopia, se aparecer, eu caso
Dispenso até séquissu, sazón e ajinomoto
Como a mesma ração e rezo todos os dias o terço
Ai, meu Deus, perdoa eu, que fudido que era bom.
***
odeio fazer poemas
sou mulher
e tudo é verdade
mesmo quando não me confesso
mas ai de mim se não os faço
urro
remédio amargo
passarinho sai de perto de mim
a doçura fere tanto quanto o estupro
***
amor
leite que pedra
se não mamado
pedra
leite de pedra
mama
meu amor
mame
duas pedrinhas
diamantezinhos
rosinhas
no caminho
pedras
amor
leitinho
mama
mesmo ilíquido
névoa
mame
meu amor
***
Há um princípio de infestação de cupim na tua face
Os primeiros pontos de ferrugem entre teus dedos
Não há nada acima das chuvas líricas
Nada embaixo das sugestões jocosas,
Sem compromisso
Não há nada de tão forte e certeiro
Que o tempo que segue
E, discreto, carcome tua libido
O mesmo tempo que já coroa feroz minha fronte de prata
e plissa minha pele durante a madrugada
Isso é tudo, não há nada além de nos perdemos,
No hay nada, nada de nada
Entre ferrugem e grânulos de madeira,
um parque de diversão é desativado
por tua vaidade, por minha falta de esperteza,
duas crianças voltam para casa sem infância, nada de mais tão comum como erva daninha entre paralelepípedos
Nasci no sertão pernambucano e desde os dez anos moro no Recife. Estudei Ciências Biológicas e Direito e trabalho no Poder Judiciário Estadual. Não sou mocinha de conto de fadas ou de histórias da carochinha. Gosto de poema com sangue, sonho, som e visceras. Escrevo pra desopilar a bílis do ser mulher, do ser poeta. Escrevo para saber quem sou.