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Carla Diacov em cinco belos trovões de poesia

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Imagem: Yahoo.com

Cinco poemas de Carla Diacov




sobe a anágua

o trovão quebra o vento
mentira
o vento e o trovão quebram a duração
o trigo traduz o movimento errado com o propósito ingênuo
mentira
dentro do pão a forma da boca que não tem língua
mentira
num trovão todos os coices da égua da noite
mentira
mentira tudo mentira
sai a duração o trovão
fica um coice
a língua
equilibra o vento
nunca o trigo jamais a tradução
mais mentira e volta o trovão

cai a luva



§§§



então um gesto idoso

ainda que a vitória perdida
nalgum canto a medalha
então agora pertencente à gaveta e às meias
recordasse a linha até aquele momento estranho

então uma declaração de guerra
e então um grito no fim da boca então
cheia de meias mordidas a bandeira da paz

então era isso de envelhecer entre o banheiro e a cômoda
então um gesto
de gesso
e uma guerra sem bocas nela



§§§



há nela o guanumbiguaçu da velhice
nela é puro
porque desaba na frente de tudo
quebra as asas no ferro dos sinos
sem pancada
digo
do aviso

a guerra sim a guerra
alguém sabe que não falo do fronte nem das barricadas

que época excêntrica
excêntrico falar de aves
com adesivos de adormecer omoplatas

justamente nas omoplatas
morar ruim é não ter corpo adequado ao fronte
pensar ruim é não ter capacidade de barricada entre os sinos

praise the lord and pass the ammunition

à merda à merda
que gente besta que a gente é
justamente entre omoplatas



§§§



no fundo do raso do mar
está a cara verdadeira
o retrato é ancestral
é uma tomada de reconhecimento
é uma tomada de negação
o andamento é manso
ereto aberto
 a cara não é triste ou alegre
é manifestante
é uma tomada de reconhecimento
é uma tomada de negação e reconhecimento
é a momentânea falência dos olhos
estou
e com os braços de espinhos volto a lavar o rosto a louça
fecho o mar porque o outro recipiente
à mesa não pode perceber o aniversário
dos minutos



§§§



uma cadeira um prego um cego um
monge e três maneiras de ler o acidente:
um monge dois pregos
o estofado um trapo de roupa íntima
ninguém sabe o sexo do pano
e mais uma maneira de ler
o acidente:
uma chaleira
que foi colocada na fogueira
sem que o sexo se fizesse percebido
a cor que pode ser sangue que pode ser merda
um nome apregoado sem que o pano:
uma planta um jarro e
qualquer maneira de deixar que o acidente seja:
meio chumaço de algodão doce
uma boneca sem os braços
uma poltrona sem uns baços
todo o estofado de todo o acidente e
todo o tempo na ponta do prego:
ninguém sabe falar o acidente sem
derramar o doce estofado:



computam-me carla diacov. tenho formação teatral e com isso podem fazer galharufas e outras massinhas: tudo é acolhido e aproveitado. meus livros: Amanhã Alguém Morre no Samba (Douda Correria, 2015. em 2017, nova edição com a Macondo Edições), Ninguém Vai Poder Dizer que Eu Não Disse I (Douda Correria, 2016. em 2017, nova edição com a Macondo Edições) e A Metáfora Mais Gentil do Mundo Gentil (Macondo Edições, 2016). no prelo para 2017, além das reedições com a Macondo, mais dois livros de poesia.  
 

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