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3 poemas de Marcus Groza

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Ilustração: Bridget Bate Tichenor 



Iconofilia

mastigo pedaços de borracha
daqueles que vêm dentro das tampinhas de refrigerante
agora tudo é Bizâncio
yoga é melhor que cocaína

os pés nascidos
primeiros pés
de uma rebelião de raízes
calcanhares germinavam
reclamando do pó
do azedume
calcanhares
são nós de porcelana
como os joelhos e as outras articulações
tem dias que parece que tudo vai dar errado
agora tudo é bizâncio
preciso de duas talagadas que abram o caminho
aleluia em vernáculo
un cuchillo

queria deitar devorações e tantras
em cima desse amor morno
dessa bundamolice que os gregos
chamavam de ataraxia

tem dias que parece que tudo vai dar errado
nesses dias ficamos mais vulneráveis
a acreditar que covardia e jejum
seriam mesmo uma saída



Anti-terrorismo

o ar está parado
atravessemos a rua
em frente à galeria olido
faz horas que o trânsito também está parado
e disseram que está assim em toda a cidade
há muitos pedestres nas ruas
as narinas que respiram o ar parado
ameaçam se converter em pequenas olarias
os tijolos podem servir de armas
na mão desses desordeiros
o terrorismo são os braços abertos
de trinta e nove secundaristas
ah se fosse meu filho..!
o terrorismo é essa gente
ainda querer ter direito a férias
imagina se a moda pega?!
dizem que hoje
todos foram liberados mais cedo do trabalho
imagina se a moda pega?!
a copa e as olimpíadas já passaram
mas o risco de atentado continua



Añaraco Peñuarê

era um amor só com o olhar em silêncio
naquele tempo em que fizemos rituais
com o sangue de éguas prenhas
temascais e banhos preparados
com esmero e pedras astecas
tudo era perfeito até anteontem

aos domingos você me convidava
para aulas de kama sutra e ikebana
com as duas bandas da sua bunda
branca servindo de aparador de flores
tomávamos chás de tansagem e erva baleeira

se hoje sufoco feito um tetra park roto
na calçada se ando assim meio bôco môco
não é só porque ontem com olhar displicente
você me contou sobre o seu tio-avô
que andou matando uns índios no Mato Grosso
nem porque se gabava da sua alta estirpe
bandeirantes empresários oficiais do exército

descobri então que o amor não sobrevive
às palavras ditas nem às que nos escapam
o pior foi que na hora não me saiu
me faltaram as vozes de esconjuro
me faltaram as palavras da minha tribo
xingamentos que meus avós proferiram
aos serem mortos por esses bandeirantes
capangas pagos por seus irmãos e tios
hoje aventureiros investidores do agronegócio




Marcus Groza é palavreiro e devoto do céu violado. 

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