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Flavio Caamaña |
Ao término da leitura de Digitais do Caos, percebo um sentir de beatitude só possível na vivência do claustro. A vida mundana destrói conceitos básicos, desnaturaliza a própria natureza, desmantela a lógica cósmica, inverte os pontos cardeais, levando os homens a se perceberem seres não mais alados – disso Platão é quem sabe –, apenas homens/instinto. E como alçar voo ao infinito sem asas?, se perguntam os homens. Mas Tito sabe respostas.
A poesia coroa
os mortais
com os loiros
das palavras.
E mais:
Um eremita
habita próximo
do divino.
Respostas ágeis, versos brancos, livres, curtos e firmes, assim o autor expõe seu pensamento estético e nos faz mergulhar em “um espanto / de dúvidas”, e nos fazdesvendar verdades ocultas no “silêncio dos minérios”.
É poeta, é filósofo, eremita e místico, em silêncios, observações e reflexões. “O paraíso / tem seu pedaço / de ficção”, diz um; “Não / me leve / a sério // Eu / minto / na caverna”, fala o outro; e ainda,“ No templo do raso / um monge medita / a maquinaria da dor“. Assertivas de quem sabe, pois vive no mundo da busca, vive o mundo das coisas inanimadas. É lá que encontra respostas para a grande indagação da humanidade, a dicotomia entre vida/morte: “A morte / espreita a vida em passos / de porta”.
Nas mãos de Tito, as palavras são meras peças de um jogo multifacetado, ganham nova vida, novo significado, nova forma. Jogo intrincado que me encanta como no verso “O deserto / se ilha / para o limbo / de Dante”, ou ainda, “O moderno se oceana / nas escamas da manhã”, onde verbaliza o substantivo “oceano”, emprestando ao verbo o mesmo sentido de vastidão, grandeza.
Digitais do Caosé um livro para se ler na nudez de vestes mundanas, quando a madrugada trouxer o silêncio que a vida moderna engoliu, assim que se faça imprescindível a busca de verdades inacabadas, de certezas inconclusas, de espantos persistentes: “O humano / ainda / espanta”. Depois é só mergulhar na poesia que existe nos versos de Tito Leite e concordar com as verdades ditas e pensadas pelo nosso poeta quando afirma: “Livros / são bálsamos / no deserto”. E Digitais do Caosé mais um oásis nessa terra de ninguém.
Anna Maria Ventura de Lyra e César, (Ana Maria César), é pernambucana do Recife, filha do desembargador Amaro de Lira e César e de Áurea Ventura de Lira e César. Bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Recife (atual UFPE) e em Letras Neolatinas, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Católica de Pernambuco. É membro da Academia Recifense de Letras, da União Brasileira de Escritores-Secção Pernambuco; da Academia de Letras e Artes do Nordeste, onde já exerceu a presidência em dois mandatos, de 1998 a 2002, e membro honorário da Sobrames.
Das obras publicadas:
- Lira e César, Juiz de Caruaru - ensaio biográfico (Cepe - 1981);
Gênesis - crônicas (Comunicarte - 1984;
- A Bala e a Mitra - ensaio/reportagem - Prêmio Vânia Souto Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras (Editora Bagaço - 1994);
- 50 anos do Senac em Pernambuco - história (Recife Gráfica Editora, 1996);
- O Tom Azul - romance - Prêmio Dulce Chacon, Academia Pernambuca de Letras (Editora Bagaço - 1997);
- Versos Voláteis - Poesia (Recife Gráfica Editora, 1998);
- Habemus Panem - Memórias de uma época - memórias (Editora Bagaço - 2001);
- No Limiar do Tempo - poesia (Editora Bagaço - 2005);
- A Bala e a Mitra - novos tempos e verdades antigas - 2ª edição (Editora Bagaço - 2007);
-A Faculdade Sitiada - história - Prêmio Amaro Quintas de História de Pernambuco, Academia Pernambucana de Letras (Cepe - 2009).