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Ilustração: Tomi Pajunen |
Por vezes achei que vivia num oceano de ódio. Por vezes achei que dançava numa bolha, na crista de uma onda de sangue que lambia a praia de ódio e mais ódio. Por vezes achei que sabia da maneira certa de amar, mas o amor, feito espuma que ao mexer criamos mais espuma, insistia em me ensinar muito mais dessas suas coisas óbvias. Quando pequeno, você se lembra, amar é basicamente aquilo que te prende à mãe, ao pai, é, sobretudo, medo. Então o medo continua, diminui, cresce, o medo é um cordão umbilical bem elástico, sabe? E você vai, vai... De tanto amar você acaba confundindo amor com escritura. Mais e mais confusão o amor te dá quando você descobre o que verdadeiramente ama. Você ama demais. Ama sua música, seus heróis, sua tribo, roupa, cultura, sua identidade. Ama demais tudo o que se encaixa na sua caixa de amor. Então você aceita que ama basicamente espelhos. Amar assim é odiar o que está fora da caixa, fora da sua bolha de amor. Você não vai assumir, mas sente, sabe. Então você nota que todo aquele oceano de ódio é alimentado por bolhas iguais a sua. E são bilhões de bolhas. E não há mais nada a fazer a não ser estourar sua bolha e sangrar. Você se entorta, reflete o impensável, e aceita que amar é muito mais simples do que cantam todos os poetas. Por vezes acreditei que a solidão era falta de amor, hoje sei que é a única roupa que o serve. Dói. Dói como um parto, naturalmente, e aquele sangue todo no oceano sem querer você percebe que era vida, e a crista da onda, uma triste ilusão. Sim, todas as bolhas acreditam estar nessa crista, nessa mesma crista. Ah, rompa esse cordão, desista de si, desista! Há mais corais por trás dos corais. E muito mais mar
embaixo do mar.
Willian Delarte é autor dos livros Sentimento do Fim do Mundo (poesia, 2011) e Cravos da Noite (contos, 2014), ambos pela Editora Patuá (SP) e O Alien da Linha Azul (Edições Incendiárias, 2016). Premiado no II e III Festival de Literatura da Faculdade de Letras (FFLCH) e finalista da 15ª edição do “Projeto Nascente”, todos da USP. Tem publicações em diversas revistas e antologias. Foi co-editor da revista Rebosteio Digital.