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4 poemas de Claudia Barral

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Ilustração: Martha Bevacqua


DOMINGO

Domingo passa em silêncio,
É o mais velho dos dias,
Não ferem as suas feras, é manso, é lento
Nem doem as suas horas.
Domingo à míngua,
É um dia que está dormindo.
Escorrem tantas memórias
Pelos fios do macarrão.
Domingo é, em meio ao sim, um não,
Com seus rastros de sábados, seus restos, seu sol, seus risos.
Domingo à noite,
Do mudo sussurro,
Do outro lado do muro
Do furo, do escuro,
Do tenebroso futuro.
Pela janela do quarto,
Do lado, do abraço, do amargo,
Do traço feito, do leito,
Do drama,
Fim de semana,
Querendo a noite,
Esculpindo a noite,
Doendo a noite,
Domingo é findo.


AS PALAVRAS

Uma palavra cai da sua boca para ir desfazer-se na calçada.
A palavra mágoa, levada pela chuva.
A palavra chuva passeando pelos seus olhos.
A palavra noite parece clara em sua pele.
As palavras rasgam o meu silêncio para descansar nos seus ouvidos.
As palavras pairam no ar como minutos. 
As palavras devassam as gavetas do não dito.
As palavras vazam de sua boca e me inundam.

As palavras sujas amontoam-se na pia.

A palavra amor.
A palavra dita, pássaro nunca mais visto.
A palavra morte.


Ilustração: marta Bevacqua


RECOMENDAÇÃO

Não se funda a manhã com a mesma foice que se abre a noite.
Gente também borboleteia.
Viver é para frente, lembrar é pra trás.
Não se sabe nada de uma história até que ela termine.
Não abra outra noite dentro da noite.
Entre na manhã com olhos de sol.


INCONSCIENTE

O que de nós em nós se oculta
Estrangeiro nos habita,
Invasor das madrugadas,
Pelas frestas das palavras nos devassa
E nos atinge.
Através dos sonhos se mostra,
Através dos erros escapa, peixe vivo,
A sombra de um animal pintando a relva.
O que de nós em nós se oculta,
Misterioso eclipse lunar
De uma lua que não há.


 Foto de Claudia: Alessandra Nohvais



Claudia Barral (Salvador, 1978) é escritora e psicanalista.  Atua em diversos campos da produção literária como dramaturga,roteirista e poetisa.Suas peças de teatro contam com montagens no Brasil e em países como Alemanha, Itália ,Portugal e Peru. Publicações em poesia incluem poemas selecionados pela Revista Poesia Sempre (Rio de Janeiro, FBN, 2008) e os livros O Coração da Baleia (Ed. P55, 2011) e Primavera em Vão (Ed. Penalux, 2015). Outras publicações incluem O Cego e o Louco e outros textos(Ed. Cidade da Bahia,1998) e Cordel do Amor sem Fim (Ed.Funarte,2003).

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