ADAMASTOR
no imenso
salíneo,
meu gesto
modesto:
atravessar sem nau
as Gamas deste símbolo,
sem Grupo ou objetivo
que não fosse lírico:
me serrar quieta no sal
de conchas infinitas...
lutar pelo que destroi,
havendo deveras sentido
buscar ser heroi,
sendo apenas vencido
NO TÚMULO DE SYLVIA PLATH
o velho pesca
nesta lama:
varinha em punhos
para manter
ressuscitando
peixes-múmias
e eu sou a lótus dourada
entre as chamas violentas
ao seu lado:
armas em punho
para florescer
SÓ MÃOS
(à Lorine Niedecker)
sobrevoei além dos algodões
nos tímpanos do mundo:
Ícaro
em asas de aço
cochilei sobre trilhos e trens:
sonhei sonhos descarrilhados
dos ruídos da cidade adormecida
beijei os lábios das calçadas na noite
e em todos os pêssegos e framboesas
apanhados pelas mãos amigas
dupliquei-me
e depois de rolar em curvas de letras
me atirei em precipícios de quandos
quis te dar um souvenir de viagem:
nas minhas mãos, nada
além de um gibi e 2 reais
e um caderno e um batom
INTERTEXTO
quis trafegar em outras ondas:
inventei um mar
e me afoguei
sem saber o tempo
de me lançar
quis ficar num cais:
caí num trilho d'água
e naufraguei
soltando o vapor de ferro
de palavra nenhuma
quis mendigar em outros supermercados
comprar novas imagens:
me enclausurei
pois era um mar de mofo
inventei meus mantimentos
fracos, alguns orgânicos
pude me compor à caneta
BICHO PARIDO
nesse útero seco, no mundo,
no atravessar de linhas gastas,
cuidadosos passos não ferem
os lírios róseos
que agora brotam
destes meus pés
o queixo paralelo ao tronco:
a elipse azul e seca cega,
faz um afago imenso e fino
de uma mãe em sala de parto.
em corpo felino, em eixos,
subo este telhado de manta
sob o brilho dourado que canta –
luz loura é quem dá meu aleito:
um sol de pelos no meu peito
e os batimentos na garganta
DEGUSTAÇÃO DE SATURNO
no meu púlpito divino
sou eu
quem apara as garras dos leões
entre os vermes que aqui me comem
sou eu quem fermenta o licor
por outros já degustado
nesta casa de impossibilidades
sou eu
quem devora as cabeças de saturno
as máscaras da morte
não são perfeitas pra ninguém
foto: Edson Maier
(Detalhe do Palacio da Pena – Sintra – o Adamastor)
(Detalhe do Palacio da Pena – Sintra – o Adamastor)
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Vanessa Caspon, 21 anos, é graduanda em Letras Português/Inglês pela Universidade Federal de São Paulo e inicia pesquisa acadêmica na poesia de Sylvia Plath. Parente próxima de pedagogos e distante de Graciliano Ramos, não acredita em habilidades congênitas, mas em ( ). Escreve desde os 8 anos, mas só começou a compor poemas em 2010 e, desde então, venceu o 3º lugar de um concurso literário da universidade onde estuda e foi selecionada para o Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE - Casa das Rosas), que teve início em março de 2013. Hoje, poesia é praticamente o único gênero que compõe. Vê como principais referências os tragediógrafos gregos e os poetas de língua inglesa do século XX. Apesar de escrever desde a infância, não faz da escrita uma rememoração. Escreve para não sucumbir às suas lembranças. Escreve para se apagar, para trazer algo de universal a partir de sensações aparentemente individuais. Não muito boa leitora de prosa, ama a fragmentação e a esquizofrenia. Leia seu blogue aqui.