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5 contos de Diego Moraes

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Pragas do egito   


Tava de bobeira comendo um x-salada e um maluco cola na minha mesa: “paga um lanche aí, irmão.” Rosto todo fodido. Cabelo caindo. Zoadão. Aí puxei 3 contos do bolso e pedi um salgado e um suco pra ele. Ele disse que era missionário. Que rodou a áfrica pregando a palavra de Deus e tal. E que traiu a mulher com uma feiticeira no congo. E que essa feiticeira fez um trabalho intitulado “sete pragas do amante ingrato”. E que ainda estava pagando a segunda praga. A primeira fez com que ele andasse feito cachorro por seis meses. “eu latia e mijava como vira-lata em postes. Meus joelhos ficavam todo tempo em carne viva” Aí ele apontou pra boca e disse assim: “a terceira praga é a dos gafanhotos. Vai sair gafanhotos da minha boca quando eu usar o nome de deus em vão” dei minha última dentada no sanduba e disse “melhoras, bicho. Que o senhor tenha misericórdia da tua alma. Que sare tuas feridas”. Atravessei a rua. Entrei no ônibus e vi uma nuvem de gafanhotos em cima do telhado da lanchonete. 


Carinho


Você engorda. Emagrece. Faz cooper. Matricula-se no inglês. Senta direito. Anda com postura. Come com talher. Bota menos sal no picadinho. Come mais frutas pra cagar molinho e nunca deixa o celular descarregar pra ela não pensar que você está fodendo com outra no horário do almoço. Você exclui os nudes das leitoras. Fala que agora é algo sério para sua melhor amiga de Porto Alegre. Bloqueia os trafica e jura que agora lerá livros mais edificantes como “A história do direito em 12 fascículos”. Você varre o quarto e junta boletos de cobrança e diz pra si mesmo que prosperará. E que talvez vá até à igreja no domingo só para fingir que se emociona com o teatro do pastor ladrão. “viu só? Estou mudando” e ela vira pra você num sábado quente como o cu de Cleópatra virgem e fala: “acho que estou gostando do meu professor de química. Ele faz diferente. Não é brutal como você. Quantas vezes pedi pra você meter com carinho?” então você corre pra sala. Para o esconderijo onde está a arma carregada. Ela ri. Debocha. Caga para seu sofrimento. Você então chora e acerta dois tiros nela. Um em cada joelho. “agora quero ver se ele vai abandonar mulher e filhos pra meter em você com carinho” ela grita. esperneia na poça de sangue. “Nem aleijada volto pra ti! Seu corno desgraçado!” então outro tiro acerta a cabeça dela. Miolos mancham o quadro falso de Dali. “E agora, Ana? Ele ainda faz com carinho?”.



Então Tá

Então você escaneia o corpo dela esparramado na cama. Os seios rosados. A buceta lilás. O abajur que ilumina mal as páginas viradas de Borges. A boca com hálito de lagoa Rodrigo de Freitas amanhecida. “não deu. Às vezes não dá”. E a blusa do flamengo molhada de chuva lá fora e passarinhos que descansam no telhado antes de partirem rumo a frutos em arvores distantes. “já viu como estão às coisas lá de cima? Viu quando cê foi pra Curitiba? Estão desmatando tudo pra criação de gado.” Então você se ajeita na beira da cama e pensa em outra coisa. No livro foda que terá pra lançar. Fica com medo de sofrer um infarto do nada com as veias entupidas de bistecas gordurosas fritas com margarina com sal e também nas declarações precipitadas que fez pra outra. As lágrimas que derrubou para uma decepção inesperada. Não. Precaução. Não posso enfiar os pés no lugar das mãos. Ainda é cedo. Lembro-me da música chata da legião urbana. E de como todas essas incertezas e desejos confusos parecem com as coisas que Renato Russo cantava. É tesão, mal estar e poesia escrita sem ninguém entender nada em interface cibernética. Um corpo branco. Bege. Um pulmão que fez natação. Braços que nunca seguraram ferro de ônibus e pés que poucas vezes sentiram a umidade da terra ou da cerâmica da casa dos pais. E eu só queria esquecer que já me fodi tantas vezes quando botei nome de mulheres na minha literatura. Que tudo fica mais prático quando acaba em sexo, pó e batidas de portas sem números anotados em agendas de celulares nokias e samsungs. Seria melhor mentir. Dizer que gosto de uma atriz drogada da Praça Roosevelt. Que nunca entendi a tabela periódica e acabei virando gay. Não. Ela gosta de rir de coisas sem graça. Eu só quero tirar esse engasgo. Essa ressaca de paixão nova. Esse cheiro de anal, latinhas de budweiser e perfume francês com fumaça de mentolados. Então acorda. O braço buscando por mim no lençol bordado com florzinhas “cadê você?” “estou aqui”. Então fico mais perto. Ela sorri de olhos fechados e diz “eu sei que você quer dizer pra mim, mas sente medo” “o quê?” “deita aqui do ladinho. Eu já sei que você está apaixonado por mim”.


Coveiro     


- Você pensa nela quando me fode?
- Em quem?
- Não se faça de besta. Sei que você não gosta de mim. E que ainda gosta dela. Você fecha os olhos e pensa nela quando mete em mim. Sei que também não gosta de mulher branca. Você gosta de preta. Gosta de chupar boceta preta. Gosta de beijar boca preta. Gosta de bunda preta. Sei que sou apenas uma passagem na tua vida. Que não vai durar. Que fingirá que nada existiu quando eu sentar numa mesa ao lado da sua num bar. 
- Preciso ir. Quanto deu a pernoite? 60 reais? Tem 80 em cima do frigobar. Pode ficar com o pó. Não estou no clima de dar uns tiros.
Ela liga a tevê. Um negão goza na cara de duas loiras. Então desliga e respira fundo. Uma respiração de peixe-boi atravessando o rio negro. Uma lágrima vadia escorre do rosto dela.
- Não quero mais te ver. Não quero mais te ler. Você me renega. Vai lá sofrer por tua preta. Fodido de merda. 
- Você quer que eu faça o quê? 
- Fecha a porta. Sabe o que é mais cruel? Você nunca escreveu 
um poema ou conto pra mim. Só pra ela.
Bato a porta de nossas almas. O dia amanhece em Manaus. Toca o sino da igreja de São Sebastião. Atravesso a rua dez de julho e espanto os pombos repousados na calçada do teatro amazonas. Penso na preta. O passado é um coveiro que lacra o caixão do amor.

Galeria:Antoine d'Agata


Diego Moraes é poeta, contista e romancista. Autor de 6 livros. Publicado no Brasil e Portugal.

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