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poema
que o poema
seja
a única
resposta
a única
defesa
a única
vingança
que o poema
seja
unha e carne
essa manhã fiz as pazes com minhas horas
como quem não dormia há anos
como se não houvesse pedras suficiente
colhi a rosa
como unha e carne
o mar correu de volta
lázaro
incinerado
em segredo
sem amigos
em lugar
desconhecido
sem família
sem cerimônia
sem público
sem privé
a morte reinventada
parte imensa calada
queima sem alarde
sem brasa
o amor nunca precisou
de terra nem de fogo
nem de olhos ou choro
o amor
pó enraizado
esfumaçado em canto e mãos
de lázaro
cobriu as pálpebras
e se transformou
águia
e ela tenta ficar
menor
menor
menor
e caber nele
como uma águia
um pássaro
roda
em volta dele
um homem ele
sentado ao lado de um copo
num sofá
visto de cima
ela águia - pássaro
agita as asas
em volta dele
na penumbra da sala
ela bate as asas
contorna o corpo dele
bebe ele
e fica menor
menor
menor
até caber feito um soluço
dentro dele
corpo
vc precisa conhecer
as pernas da minha dor
os braços da minha dor
os dedos as unhas da minha dor
a boca os dentes os olhos
as olheiras da minha dor
ouvir quando ela geme
quando engasga e ri
conhecer os rins
o fígado os pulmões
os sonhos os desejos a fome
a febre da minha dor
vc precisa conhecer
o corpo da minha dor
o mar é mais antigo que a vida
tanto o conhecimento
das entranhas do mundo
quanto os passos vaidosos
são perigosos
prefiro o livro encontrado no lixo
na hora de jogar fora a luz a noite
prefiro o canto largo
o riso de estranhos ao meu lado
se os átomos são as lágrimas
de todas as coisas
meu passo
meu passo
fim
acabou pra mim
os atalhos e as barragens
que se cruzam
me deito no verde
sem o velho medo
do peso da máquina
deixo pros outros
a grama macia trabalhada
e o vento me apaga
Ilustrações: Ünn/deviantART
Patricia Laura Figueiredo, entre São Paulo, onde nasceu e se dedicou à poesia e ao teatro desde cedo, e Paris, onde mora desde 1990 amadureceu seus poemas numa vida dedicada a tornar o poema uma experiência essencial. Publicou o seu primeiro livro de poesias, Poemas sem Nome pela editora Ibis Libris em 2011 e seu segundo No Ritmo das Agulhas, em março de 2015 pela Editora Patuá. Participou de várias antologias, no Brasil e na Alemanha e também em diversas revistas digitais de literatura e poesia. Em março 2016 publicou pela Editora Dasch seu terceiro livre de poemas, Poemas Bebês.