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Contos Luminosos: Krishnamurti Góes dos Anjos resenha Artur Ribeiro Cruz

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A Editora Penalux editou recentemente o livro “VAGALUMES SEM NOITE: contos entre sombra e luz”, do Senhor Artur Ribeiro Cruz. O conto praticado por esse autor é o conto clássico, sem exorbitâncias formais, entendido sucintamente da seguinte forma: 1 – A adoção de um plot, que é o acontecimento central ou os fatos que conduzem a tal acontecimento, conjugado com os desdobramentos no destino da personagem central. 2 – Um ponto de vista com seus traços negativos e/ou positivos e reflexos nas reações das personagens e; 3 – Um cenário, os diálogos (esses variando formalmente conforme intenções particulares dentro de cada narrativa), o monólogo pela mesma forma, os prolongamentos da ação, os conflitos, a abertura e o final. Cabe aí, nesse arcabouço, e com folga, a condição humana que, no caso específico desse autor, é tratada com apurada técnica narrativa e concorre com a vida em inventividade.
         Já que falamos em final, comecemos com o último conto do livro que se chama “Um sofista” e vem a ser uma metaficção abordando justamente a construção de um conto, de forma densa, inteligente, agradável de ler. Muito bom. Recomendamos leitura e releitura, sobretudo para os novos escritores. Vale a pena reproduzir um trecho: “Pesquisei um bocadinho e soube que autoficção está em voga. Tem vendido no mercado em crise. Também li que os críticos têm uma queda por desconstrução do gênero, dissolução do enredo, busca que não progride, enfim, qualquer coisa que se conte é conto”. P. 114.
         Versatilidade também é uma marca notável desse contista. Seja no conto de fundo quase anedótico (embora de profundo lirismo), que é “Tio Valdim”, seja no conto de personagem com aquele efeito singular e único extraído de estados emocionais extremos (a que se referiu Edgar Allan Poe) -  “Canção noturna” e “Arquitetura de um voo”, seja no conto de teor moralizante (quase um apólogo), como lemos em “O retorno do cavaleiro andante” e, mais difícil ainda, o conto impressionista que é “A procura”. São contos de uma linguagem de expressão trabalhada, aflita, profundamente criativa, a indicar que nasceram das profundezas da imaginação e da intuição, de um contato profícuo com o fascinante espetáculo da existência e, melhor ainda, aliam a tais características a maravilhosa faculdade da observação precisa. Na justa medida.
         Seria o bastante até aqui, mas não há como nos furtarmos de reproduzir mais um trecho, do conto (o primeiro do livro), “A última ceia”, onde observamos ao longo do texto, as sutis minudências e o singular “efeito único” conduzido de forma tão  cumulativa, que o leitor, mesmo de sobreaviso, parece sentir o toque da emoção e estremece com o desfecho. Aqui temos a prosa do verso e o verso da prosa com uma verdade própria, com uma lógica inseparável:
         “Contou os passos até o quarto, deixando uma trilha aromática em cada cômodo, até alcançar o vestidinho inédito, florido de hibiscos, esticado metodicamente sobre a cama. De onde vinha a luz que fazia brilhar o mínimo gesto? De onde o fulgor refletido nas ondas dos cabelos moldados em betume? O corpo de Elen rememorava naquela noite o antes-corpo, livre do visgo que entope os poros dos renegados; era ela a forma delicada que guarda em si o mistério, inacessível às sombras diluidoras da vergonha e da maledicência”. P. 23.
         Dentro desse contista há um facho a guiá-lo na noite escura da criação, a identificação profunda com as personagens num processo de refletir dores e alegrias alheias. Esse facho cresce em suas narrativas e se torna tocha viva. Assim os contos luminosos do Senhor Artur Ribeiro Cruz. Com efeito, pelo que lemos na orelha da obra, uma estreia (na prosa), muito promissora.

P.S. O tratamento de “Senhor” ao autor não é pedantismo, trato-o assim por duas razões: a primeira é que não o conheço, e a segunda é que após a leitura, lembrei-me do bruxo do Cosme Velho (Machado de Assis), pois senti gratas ressonâncias no estilo sóbrio, irônico e contido no brilho da frase. Coisa de outros tempos, como os homens se tratavam, mas, se querem saber, sempre atuais.




Krishnamurti Góes dos Anjos. Escritor, Pesquisador. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos,  Embriagado Intelecto e outros contos e  Doze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional -  Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.

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