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3 poemas de Evandro Alves Maciel

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Dançar.:

dança lúdica da pedra
dança enorme da pedra
dança falha da pedra
dança leve da pedra

dança amálgama, pedra
dança-vento-da-chuva;
dança úmida, pedra, revolvendo o céu.

dança inóspita, pedra
dança gosto-de-terra;
dança frívola, pedra, esgarçando peles.

Roda, menino, roda...

  
O Abraço.:

abraçar o universo
com um beijo

minha língua
é uma constelação

o meu ventre engolido pelo sol

tornou-se em onda
e erra, incerto

em todas as direções

- com uma fome
assustadora.


Universo Diamante.:

diante da minha dor
o invisível é indizível
o visível é risível
e o entremeio
é passível de explodir
feito míssil;

se, rio comum,
seguisse o curso dos acontecimentos
que mar seria?
o tempo tem seu ritmo para pulsar
o homem sua felicidade para perder.

e isso pertence ao ontem
e isso pertence ao agora,
hoje quero pensar sobre outra coisa
colocar-me, sem demora, na galeria
dos que sabem o silêncio.
ofertá-lo é dádiva.

diante do meu espelho, dizia:
"eu te amo e por amor a você
preciso matá-lo;
se tanto não for possível,
que sejas uma escultura
no jardim de minha casa;
ou te tornes estrela
ou te tornes vazio".

acaso é chegada a hora?
a verdade é uma chaga
a consciência é o pus da chaga
o meu desejo é a língua que lambe...
como poderia te dizer?
teus olhos cheios de palavras luminosas
e meu gesto a penumbra projetada na umbra
de tuas retinas.

Vê-se o homem no canto da cela
seu corpo encostado na parede da sala
a cabeça pendente pendendo pêndulo perdido
suspirando seu nutritivo ciclo
completando o amor na morte do amor mesmo que renasce
- mortal desejando o imortal -

"para sempre os mesmos sem roteiro tristes périplos"!

eu te conquistei e eu te libertei
e, no entanto, ontem havia sonhado
que o teu segredo era apenas
simples efeito do fogo refletido na palavra
que te condensa e te limita;
e quando berrei por deus, meu deus, teu deus
(clamando por entre os dentes)
me veio, decerto, um estremecimento
que pensei ser aquele que tantos dizem ser Aquele,
mas era apenas raiva.

A parte que fui
não é verdadeira.

estampada na terra que via
a criança riu-se do oco dos meus olhos
e rolou à sombra dos meus dedos inexistentes
dizendo:

"me foi comunicado
por meio da Voz
que vento espalha
e fogo produz toda sorte
de naturezas;
deus é natimorto
deuses nunca existiram
a vida que enxergas na Vida
é desde sempre;
nós que aqui estamos
ao passado escavamos
houve céu e antes
houve o caos e antes
nada houve".

então me encontro dentro da caverna
e ouço os sinos em meio à tarde
- fenômeno arcaico
em meio ao pântano do meu quintal
- cúmulo, cúmulo!
é o chamamento:
"minha palavra é sopro", diz a criança
e venta com a tempestade;
"minha palavra é fogo", diz a criança
e queima o fundo da terra.

"no princípio, eu era mudo", diz a criança...
um dia chego a ser boca ao invés de cabeça,
Dioniso, nos permita!
nos permita o vinho dos teus cantares;
que o ponto encerre a cena e comece o poema
e eu que não sou eu
possa, acaso, deixar de ser o que sou.
mas o que sou se não sou eu
o apogeu da coisa minha?
eu vejo o vento presumir em meus olhos
milênios e milênios de vozes antigas e mínimos gestos
cristais de sal no mar igual e desigual
da sombra mesma que cantava...

domingo!
domingo!
a janela
a rua
o céu
um mundo redondo
a girar
numa fotografia;

domingo!
domingo!
a chama
da vela
dançando
no vento,
o meu amor
sendo pavio.

a verdade é meu estômago
fervendo seu sal.

no dia em que me mudei
houve um trovão que mais parecia
terremoto.

no dia em que me mudei
meu corpo havia explodido como
terremoto.

entre o relâmpago e o trovão
a expectativa do susto faz nascer
a lua.

o que seria meu corpo senão
o susto gerado e a lua parida?
o teu amor é tua sombra
sobra em um pasto inatingível;
um dia esquecido é um dia novo
e a memória um atordoamento
onde luta e luto se mesclam
lusco-fuscamente...

abro aspas:
- meu rosto no espelho
é a dança das olheiras
no carnaval -
fecho aspas.

abro aspas:
- a flor na garganta
gritando seus pés
de janeiro -
fecho aspas.

abro aspas:
- tua língua
intensifica a primavera
dos meus andares -
fecho aspas.

quem irá nos salvar da salvação?

eu temi o temor
e ele cresceu em mim.
um monstro de escombros
gozando a feliz idade
de uma criança alada;
sumimos, então, de nós?
morremos e não fomos avisados?
na névoa de nossa memória
tudo explode simbolicamente;
haverá ainda a catástrofe
após a catástrofe?

adeus meus dias frios
meu universo diamante
as ruas desapareceram no mar
e as árvores tomaram o lugar dos prédios;
os sinos tocam uma vez mais
e cada nota é um compassado susto;
eu abro os olhos e fixa-se em mim
outros olhos maiores.
"é o sinal", diz a criança;
"é o fim", diz a criança;
"mil máscaras cairão ao seu redor", diz a criança.

O último som é como um rosto novo.

A hipótese que sobra:
se o raio frio deste inverso diamante
corta a folha
o mar
o tempo
haverá os interlúdios.





Evandro Alves Maciel, paulistano-aquariano do dia 02/02/80, graduando em Filosofia pela Faculdade de São Bento, de São Paulo, fotógrafo amador e poeta estreou em janeiro de dois mil e dezesseis, com o lançamento de Veneno de Ornitorrinco, integrante da Coleção Patuscada 2 – Editora Patuá – premiada com o ProAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. 

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