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A ironia deliciosa na literatura de Adriana Brunstein

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eu acredito. em propagandas de detergentes que rendem mais. eu pago mais caro por eles. acredito nas previsões de 6.3 na escala Richter num ponto remoto do japão. acredito em terapias com crochê e em dicas de manuais de boas maneiras. acredito nos eletrodomésticos do Polishop e no vale-brinde de uma dose de felicidade sem colesterol. acredito em cupons da Reader's Digest e no esmalte que não descasca quando tentamos a sorte em raspadinhas. acredito em saudade e em qualquer um que diga que foi o primeiro a exclamar que saudade é uma palavra que só existe em português. acredito no amor inteligente dos filmes noir e em fantasmas traídos que ocupam velhas casas abandonadas. acredito na autenticidade dos reality shows e em edições não tendenciosas de debates políticos. acredito em sinais de SOS emitidos em madrugadas silenciosas e em senhoras que discam incessantemente o 156 do PSIU. acredito na substância tóxica de número 3573 dos cigarros vendidos avulsos. acredito em punhetas batidas para bonecas infláveis e vudus que pequenas garotas escondem debaixo do colchão. acredito na promessa do último gole, do último tiro, do perdão embutido no último suspiro do paciente com câncer terminal. eu acredito no mundo de caras, em cirurgias reparadoras e na melancolia de quem vive com o estômago reduzido. acredito no ano bissexto de calendários promocionais e em dias comemorativos de consciência de qualquer coisa. acredito em correntes do bem e convites para entrar em pirâmides financeiras jogados pelo vão da porta de entrada. acredito em telefonemas de sequestradores que mantêm em cativeiro um parente que eu não tenho. eu acredito em cartas suicidas feitas com animações do Power Point e na fatura do cartão de crédito que acusa a compra excessiva de veneno para rato. acredito em mágicos de buffet infantil e em pais de aniversariantes que trepam com as cunhadas na hora do parabéns. acredito nas sete ondas puladas à meia-noite de 31 de dezembro e no imenso tanque de pesque-pague que deus montou pra se divertir. um anzol machuca meus lábios. eu acredito em você.

Adriana Brunstein é phd em Física, escritora e romancista, com trabalhos em várias vertentes e meios de comunicação. Ganhou o prêmio HQMIX de melhor roteirista nacional pelo roteiro da Grafic Novel Prontuário 666 - Os Anos de Cárcere de Zé do Caixão  e foi contemplada pelo 13º Cultura Inglesa Festival com o curta-metragem Olhos de Fuligem. Publicou o romance Estado Fundamental pela Panelinha Books 2012.
Ilustração: colagem de Marcelo Moreau



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