de quando
de quando fui um navegador português,
não de alta patente: marinheiro apenas,
mas feliz, a enfrentar o mar sem fim
(e de humor instável) no rumo dos
brasis. e de quando, já com a terra à vista,
regozijo, a costa da bahia!, a nau,
por piloto inábil mal conduzida, com
forte vento de través, raspou o casco
num parcel, gemeu e soçobrou. e de quando,
mergulhado na água cinzenta, salgada e fria,
sonhava a terra, e não mais a via.
não de alta patente: marinheiro apenas,
mas feliz, a enfrentar o mar sem fim
(e de humor instável) no rumo dos
brasis. e de quando, já com a terra à vista,
regozijo, a costa da bahia!, a nau,
por piloto inábil mal conduzida, com
forte vento de través, raspou o casco
num parcel, gemeu e soçobrou. e de quando,
mergulhado na água cinzenta, salgada e fria,
sonhava a terra, e não mais a via.
viagem noturna
mais cedo, quando saíamos, ainda, da cidade,
o lusco-fusco, a luz do sol laranja e forte, do fim
do dia, deixou bonita, por instantes, lembra?,
a paisagem, de resto tão pobre, tão triste,
tão postes, carências e tijolos. e agora
o lusco-fusco, a luz do sol laranja e forte, do fim
do dia, deixou bonita, por instantes, lembra?,
a paisagem, de resto tão pobre, tão triste,
tão postes, carências e tijolos. e agora
tufos de capim-gordura, na beira da estrada,
fugazmente iluminados pela luz dos faróis,
nas curvas. o som do carro tocando uma
canção de amor e saudade. e o aconchego
da velocidade, das luzes do painel,
da temperatura controlada.
fugazmente iluminados pela luz dos faróis,
nas curvas. o som do carro tocando uma
canção de amor e saudade. e o aconchego
da velocidade, das luzes do painel,
da temperatura controlada.
um sacrifício humano
o corpo estirado na areia da praia. um
homem grande e gordo. bermuda preta, corpo peludo.
barriga para cima, soltando um pouco de água
pelos buracos do nariz e pelo canto
da boca. grãos de areia nos cabelos, nas orelhas.
afogado. roxo e morto.
homem grande e gordo. bermuda preta, corpo peludo.
barriga para cima, soltando um pouco de água
pelos buracos do nariz e pelo canto
da boca. grãos de areia nos cabelos, nas orelhas.
afogado. roxo e morto.
todo verão é assim. eles comem muito, eles
bebem muito, eles se preparam para serem
dados, em sacrifício, a algum deus dos oceanos.
bebem muito, eles se preparam para serem
dados, em sacrifício, a algum deus dos oceanos.
* * *
André Caramuru Aubert nasceu em São Paulo em 1961. É editor, tradutor e escritor. Já colaborou com publicações como O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Atualmente é colunista da revista Trip e colaborador do jornal Rascunho, para o qual mensalmente seleciona e traduz, entre seus preferidos, algum poeta estrangeiro. Publicou, pela editora Patuá, o livro de poemas Outubro/Dezembro e, pela editora Descaminhos, os romances A Vida nas Montanhas, A Cultura dos Sambaquis, Cemitérios e, agora em novembro, Só uma estranha luz como pensamento.