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VIRNA TEIXEIRA - 10 POEMAS

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                                                                                                                    PLOTNIKOVA, Katerina











repetição

o argumento é incomunicável. como visitar o passado, sua cartografia
a incomunicabilidade me leva além. mar, bósforo, os rostos de estranhos
cruzando a ponte
ruínas, resíduos, estruturas que desabam
istanbul modern
e as tábuas do ferry deslizando rapidamente entre continentes, sem
compreender
como escapa o corpo, sua rota de fuga sobre a água, como migra e se
recolhe em refrações
nestes lugares onde se confundem as projeções, como espelhos









Le petit chaperon rouge dorme. O lobo mau se perdeu no bosque. Em Wimbledon Common. Mary mary quite contrary. Meu jardim cresce sem rimas. Vejo um guarda florestal num cavalo negro, recolhendo galhos. Vejo tenistas. Na feira anual, alguém desmonta o circo. Um carrossel com um ônibus vermelho. Um trailer com palmeiras de néon. Não há acrobatas, nem picadeiro. É só uma tarde de verão com nuvens que se desmancham em formas, se dispersam. Entre o rastro de voo neste equinócio, que desaparece, simétrico, na direção do sol.



           
                                                                                  




Vai começar. Picadores e malhas colantes, muchachos de cabelos negros, cores andaluzes. Compro um tíquete onde o sol se levanta. Ofuscada pela luz, apesar do sombrero. Peço um tinto de verano ao gordo que passa com um balde. A capa se agita na arena, sangra o primeiro touro. Um casal discute. A garota loira levanta, llorando: mercy, mercy.

But it’s my birthday! Primeira baixa na arena, seguida por mais turistas. Silêncio ritual. Os espanhóis agitam os lencinhos brancos. Nos bastidores, velhos toreros esperam, fumando. Cenas de El Matador, imagens de Rineke Dijkstra. Tomo gazpacho. Palavras extremas em frente ao canteiro de rosas rojas. Quase meio-dia, rumo a Sevilha.








                                            
orquestra ilimitada música escute os acordes profunda dissipa mergulho apneia corais medusas blefe poisson cor de rosa leonilson oceano verte sem limite lampedusa quem ancora terra movediça magreb tanta água pérola marujo escamas ondina ilusão escapa cortina ondas transborda a nado luzzu ilha poseidon videiras senza tardare nuvens lago infinito









Passou uma criança vestida no roupão de nuvens. Ando com lapsos de memória, esquecendo datas. Quando despertará Blancanieves? Lento nado de costas, com uma touca salmão. A escada conduz a um quarto acarpetado, com brinquedos dos anos 70. Lembrança remota de polaroide. Ela manuseia o passado com suas mãos pequenas. Aquaplay. Miniaturas, tamanhos não importam no país das maravilhas. Palavras são neologismos, depois se perdem. Da caixa salta jack-in-the-box, brinca toda a tarde dentro de um cubo de acrílico verde ao sol. Sobre a grama. Mergulho com imagens, e há desenhos de golfinhos nos azulejos.









Do livro de composições

Um instinto: a verdade por trás de uma figura escondida. Como entender o seu self secreto. Eu queria dizer isto de uma maneira afetiva mas única, sem tentar encontrar conexões. Um mito não pode ser particular ou pessoal, mas uma vez dentro da mente, as percepções deixam um traço de memória. Na infância uma pessoa é muito impressionável. O pré-consciente controla a atividade motora. Um sonho irrompe no mundo externo. Esta é a vida desperta.









Rumo à estrada certa, vejo uma floresta de lâmpadas. Mapa topográfico de sentido desconhecido, com estórias escritas em outra língua, quase ilegíveis. Geografia íntima que chega até a infância. Entre a sentimentalidade e um mundo de contos de fadas onde as coisas não são bem o que parecem.








                                                         
Uma mulher fuma ópio e nada importa. Um fluxo de água molhando a tatuagem de dragão nas costas, no abraço simbiótico que transcende o movimento das ondas, em câmera lenta.

A água escorrendo sobre os corpos parados, esta sensação física, imóvel. Os sentidos ampliados, a luz, a calmaria de praias desertas e distantes.

Então mente para proteger esta adicção serena. E foge de violências a nado, foge da realidade das conversas externas, do que percebe e finge que não percebe e tudo se desfaz e dissipa em anéis de fumo. Inteiramente submersa na fumaça do ópio, cavalgando o desenho do dragão.









Margem contínua de ansiedade,
explodindo plástico inevitável

Visão esférica, borrada,
retina alinhando a superfície interna do globo
o aço da porta corta-fogo pintado de branco

Se todas as coisas pudessem ser contadas

Escute o medo. Prova contras as emoções mais ásperas,
luxúria e solidão sob efeito de anfetamina

A armadura faminta da adicção,
uma antiga marca japonesa de hipnóticos chamada
dançarina das nuvens










ginebra, limão, angostura
um travo de liquido amniótico
e pastis, lavando-se no cloro
da água estagnada de uma
lua tóxica, quem segura
o mareo no olho do dilúvio
na ebulição do fogo queimando
demônios íntimos pelas ruas
para renascer na névoa do dragão,
no gole de champs d’amour
com charteuse e rosas
amarelas











Virna Teixeira nasceu em Fortaleza. É poeta e neurologista. Tem três livros de poesia publicados no Brasil, e uma plaquete em Lisboa (A Terra do Nunca é Muito Longe, Não Edições, 2014) que saiu este ano em edição bilíngue no Reino Unido (Neverland is Too Far Away). Publicou três títulos de poesia escocesa em tradução, traduziu e publicou poetas latino-americanos (Hector Hernandez Montecinos, Horacio Fiebelkorn, María Eugenia López, entre outros), e publicou plaquetes com poemas traduzidos de Tristan Tzara e Paul Éluard pela Arqueria Editorial. Virna iniciou em 2015 uma atividade como editora com a Carnaval Press em Londres, onde vive e trabalha atualmente.














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