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4 poemas de Gaveta de Cedro - Eleazar Venancio Carrias

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Ilustração: Marie/deviantART


A confissão de Davi


Amo-te como se me perfurassem os olhos
Amo-te cercado de olhos.

Amo-te entre a escada e o abismo
Amo-te com essa dúvida antiga.

Amo-te com medo e compromisso
Amo-te assim e além disso.




Teoria da presença


Tua presença crava-me na parede
onde fico vergonhosamente exposto
ao teu olhar sem escrúpulo.

Tua presença arrebata-me o senso
e duplica os sentidos mais básicos.

Prenunciado sob o mapa tátil
teu sangue liquida meu sangue
e o ar que teus músculos deslocam
se me perfura os pulmões
deixa-me em total metástase.

Tua presença me xinga e me louva.
Tua presença me salva de mim mesmo.
Tua presença é impiedosa jarretada.




A separação insuspeitável


Eu sei que amanhã
teu sangue estará longe.
Tão longe na iminência de novos prazeres.

Eu sei que de lá
me olharás e me sorrirás
transparecendo a mesma personalidade amiga.

Mas teu afável sangue não será meu.
Não mais meu.

Eu sei que amanhã
teu respirar e aspirar
estará longe. Não mais meu.

Eu sei também
que continuarás
saltitante dentro de meus olhos.

Tuas mãos
(ainda que menos assíduas)
continuarão a viajar em mim.

Mas estarás longe infinitamente.
Longe não mais meu.




Teoria da ausência


A saudade que sinto de você
é uma saudade tão curta e tão concentrada
que não chega a ser saudade.
É uma saudade espremida entre um dia e outro.
É uma saudade encolhida, sufocada
numa geografia mínima,
tão mínima que não pode ser saudade
o tecido suspenso, estendido entre mim e você.

Se fosse saudade
eu até me gabaria de senti-la, porque de você.
Mas não. É antes uma presença residual. Definitiva.
Como dor que me quer abraçar
Como ausência que não se despede.
A saudade que sinto de você não tem razão de ser.
É uma necessidade de sofrer hoje
o que não terei jamais: sua ausência.




Eleazar Venancio Carrias nasceu em 1977, no coração da Amazônia. Reside em Tucuruí, no sudeste do Pará. Publicou Quatro Gavetas (2009), vencedor do Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura 2008, de onde foram selecionados os poemas aqui publicados. Regras de Fugaé seu segundo volume de poemas e será lançado em breve pela E-Galáxia.



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