te veste de enseada, fende
a geometria das flores, veja,
a ilusão é um barco de auroras
orbitado de cinzas
adubado jardim
revestido de inverdades
contemplar a loucura
é mais selvagem
que aplaudir o louco
por isso cultivo mentiras
pelas tuas íris
recolho arbustos
tenho neles
a mesma mania
de girassóis amanhecidos.
***
o que custa
acender o silêncio?
brotam madrugadas
na catedral de teus gestos
sazonada
a aurora batiza
as parábolas de teu dorso
dirimi o peso dialetal
da palavra compaixão
acende o silêncio
em ti ele é um bangalô ajardinado.
***
para Maria Barbosa, minha mãe
sem receio
& desígnio
maria
inominativa
diante do catedrático dia
arvora aurora
a como/ver
[sem pudor]
o corpo.
***
para Karina Moraes
tua casa de abstrações
erguida sob o labor
de ensinar homens
os artefatos do palavramento
no indeciso tempo de agora
rabiscados verbos
tua casa encaibrada
de uma fé sonora
dentro do denso dia
habitada por todas as eras
alicerçada pela perenidade das coisas
pelas paredes
passeiam lembranças
decerto
tua voz quer atravessar o grito
arrastar a canção de ontem
para rumos do não acreditar
mas
é preciso que saiba
tua casa
calcina o impossível
colhendo girassóis
no alpendre milagrado da linguagem.
***
para o poeta Manoel de Barros, na eternidade
dos rumores da língua
consterna-me a não coisa
o afeto que é um rio
a gemer a pergunta pássaro
desdito no choro da chuva
as mãos da aurora
têm uma perna toda anônima
e desnuda de sol
para avizinhar o concreto da infância
no olhar de aldeia e trapos do menino
o abstrato é:
ora ave
ora árvore
do menino com piedade de adão
rasgamos a angústia do sujo
& da pedra fazemos um anzol
com as máscaras da perda
a preferir pescar o formato inominado
de dentro da conversa entre borboletas
no silêncio esparramado por deus
o menino edificou amor e grito “letral”.
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AIRTON SOUZA é poeta, professor e nasceu em Marabá, no Pará. É membro de diversas academias de letras e instituições literárias, entre elas a ALSSP – Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense, cadeira nº 15, patrono o poeta Max Martins. Reconhecidamente um dos maiores ativistas culturais das regiões do Sul e Sudeste do Pará. Além disso, coordena diversos projetos literários, entre eles o Sarau da Lua Cheia, o Anuário da Poesia Paraense e o Projeto Tocaiunas, um dos maiores da Amazônia na publicação de livros independentes. Já venceu diversos prêmios literários importantes, entre eles: menção honrosa no Prêmio Proex de Literatura, Prêmio Cannon de Poesia, menção honrosa no Prêmio LiteraCidade, com o livro Face dos disfarces, primeiro lugar no Prêmio Dalcídio Jurandir de 2014, um dos mais importantes da Estado do Pará, com o livro de poemas Ser não sendo, um dos vencedores do IV Prêmio Proex de Arte e Cultura, com o livro de poemas manhã cerzida. Em 2015 venceu alguns prêmios, entre eles o III Prêmio de Literatura da UFES, promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo, com o livro cortejo & outras begônias, na categoria poesia. Possui publicado 27 livros, entre poesia, prosa e livros infantis e juvenis.