1)
Início
... E não havia nuvens
E não havia homens
O mar reinava absoluto
E não era possível
Distinguir o que era céu
Do que era mar
— E tampouco
Onde começava um
E onde terminava o outro —
Porque as distinções
Ainda não existiam.
E não havia deuses
E não havia homens
A linguagem não podia nos aprisionar
Porque ela também não existia
E não havia papel
E não havia tinta
E os poetas sequer existiam
E não havia nada mais
Do que já não existia por aqui
E apesar de não haver
Nuvens, homens ou deuses
E apesar de não haver papel,
Tinta ou poetas
O mundo não era um lugar triste
Porque havia o mar
E havia a poesia
E a poesia era tudo.
2)
Berço do Príncipe Imperial Eugène-Louis
Se não fosse pelo fato de o berço
Ser como qualquer outro berço
Se não fosse pelo fato de o menino
Ser como qualquer outro menino
Se não fosse pelo fato de a coroa
Estar suspensa pelo rei
E os anjos guardando o sono da criança
Eu diria que seria um berço qualquer
Mas não.
O berço, o trono, o quarto
Estavam
Vazios.
3)
Wabi-Sabi - Oceanário de Lisboa
Por mais belo
E confortável
Que possa ser
Por mais aprazível
E próximo ao habitat
Se possa reproduzir
Um aquário
Será sempre
Um aquário
Uma hora
Os peixes
Vão se cansar
Dos espelhos refletidos
Das mentiras
Da floresta subaquática
Uma hora
Os peixes
Vão se cansar
Dos sons
Vindos
Das máquinas
Fotográficas
Uma hora
Os peixes
Vão se cansar
Dos pseudossons
Da natureza
E dos 78 troncos
De árvores
Da Malásia.
Uma hora
Os peixes
Vão se cansar
Das nossas caras.
4)
Imperador
A música do imperador
Dizem
É conhecida em toda a Europa
Os estofados
As lantejoulas
As alcovas
São conhecidas em toda a Europa
Dizem que o imperador acorda cedo
E recebe a todos que queiram lhe falar
Dizem que o imperador
Deu um castelo para sua amada
Dizem tanto
Falam tanto
Do imperador
Que é como
Se ele ainda
Existisse
Como se ele
Ainda
Estivesse vivo
5)
Poema feito na estrada
Que tristeza ver as cruzes com flores pelas estradas
As borboletas voando
Sem vento
As folhas paradas
Que tristeza ficar
Pelas estradas
* * *
André Ladeia é poeta e procurador municipal. Autor de Suave como a morte (Penalux, 2014) e Alçapão (Oito e meio, 2016).