Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

7 POEMAS DE LEDUSHA & 1 ENTREVISTA

$
0
0
Foto: Júlio Covello.
a disposição dos astros
a composição do verso
desafogo fatos
abrindo um botão: ah
fatia de poesia
em pânico partida
pele linguagem
vapores do desejo
estar entre o risco
do silêncio e ilhas.

FELICIDADE

nada como namorar
um poeta marginal
incendiado
nada
como um mingau de maizena
empelotado
de tanto amor acumulado
uma casinha em botafogo
um quarto uma eletrola
uma cartola
                     &
depois da praia sonhar
que a bossanova voltou
pra ficar
eu você joão
girando na vitrola sem parar.


TEMPERAMENTO

poesia encontra-se nesse abril ressentida.
olho o relógio
aquário da minha história:
nem mesmo um ritmo torto.
volto à paisagem descabelada
amoreiras telhados
tarde inverno de sílabas ariscas.

essas mulheres.

  
Foto: Júlio Covello.
  
OUTONO

afasto esse poema que vaga pelo quarto
passional com um postal
carioca

nefasto esse poema
que detesto
como detesto
os dias lindos
de maio

PONTARIA

não fossem esses óculos
acertaria em cheio
o coração do príncipe.

  
SINHAZINHA EM CHAMAS

ai quem me dera uma tuberculose
uma overdose
uma carência esplêndida.

DE LEVE

feminista sábado domingo segunda terça quarta quinta e na sexta
lobiswoman.


Leda Beatriz Abreu Spinardi ou Ledusha nasceu em Assis, no interior de São Paulo. Mudou em 1978 para o Rio, onde publicou seu primeiro livro, Risco no Disco, em edição  independente.  Atualmente mora em São Paulo. Embora seja incluída entre autores da Poesia Marginal, Ledusha  afirma que sempre esteve à margem dos marginais. Marca característica de sua geração, porém, é o uso da linguagem coloquial, sem deixar de lado citações literárias. Além de Risco no disco, publicou Finesse e Fissura, em 1984, 40 graus, em 1990. Exercícios de Levitação, em 2002 e Notícias da Ilha – 31anos de poesia, em 2012. 


Confira, abaixo, breve entrevista com a autora, que relança Risco no Disco pelaLuna Parque Edições em dezembro.

Teu primeiro livro, Risco no Disco, foi lançado em 1981. Que lembranças você  tem de sua estreia na poesia ?
Ledusha S– Era um período efervescente, no Rio, em termos de poesia, política, havia vários jornais alternativos  e artes. Eu sempre escrevi, já tinha um materialzinho. Tinha lido o 26 poetas hoje, da Heloisa Buarque, era amiga do Cacaso, me hospedava em seu apartamento  em Copacabana, onde conheci a maioria dos poetas:  Pedro Lage, Chacal, Charles, Ana C, Chico Alvim, Luis Olavo Fontes - o Lui, e outros. A Helô, que parecia ser a “guru” deles, também.  Embora tenha sido influenciada por essa lufada de liberdade que o grupo trouxe à poesia, preferia permanecer à margem da Poesia Marginal – tenho dificuldade com grupos, nomenclaturas -, daquelas discussões todas. Nessa época vivia entre São Paulo e Rio, até que me fixei lá no Rio em 77 ou 78. Segui escrevendo e, em 1981, com o auxílio luxuoso do poeta Pedro Lage, publiquei o Risco no Disco(edição independente). Éramos vários poetas lançando juntos cada um o seu trabalho, e a essa reunião chamamos Coleção Capricho: Chico Alvim, Pedro Lage, Lui, Ana C, e outros cujo nome me escapa agora.

O mesmo livro está sendo relançado pela Luna Parque Edições. Como aconteceu este relançamento ? O livro é igual ao da estreia ?
Ledusha S– A editora e poeta Marilia Garcia, da Luna Parque Edições, propôs reeditá-lo. Foi uma surpresa bacana, por que é um livro que  fez muito eco, as pessoas sempre perguntaram dele nesses 35 anos. Escreviam pedindo, algumas achavam em sebos e curtiam tempos depois, então  pareceu oportuno, uma ideia feliz, e topei sem grandes reflexões. Basicamente é igual à primeira edição, apenas a arte da capa teve uma releitura – mas mantivemos a foto do godardiano À bout de souffle, sua marca.

Teu nome está ligado à geração da Poesia Marginal. Nos anos 70, poetas que não conseguiam ser publicados por editoras, imprimiam seus livros e vendiam em bares. Você se identifica com o movimento ? Qual a importância da Poesia Marginal para a poesia brasileira ?
Ledusha S– Comecei a tomar o rumo da poesia na mesma época, embora escreva desde menina, mas sou apenas contemporânea, não faço oficialmente parte da Poesia Marginal. Conheci os poetas que tocaram o movimento, convivi com eles, mas não faço parte. Como disse antes, fiquei à margem da poesia marginal. E Risco no Disco foi lançado em 1981, quando essa geração já estava em outra.
Foi importantíssimo em vários sentidos, o movimento unia comportamento e escrita irreverentes naqueles anos medonhos de ditadura; resgatou a poesia falada, e um outro conceito de “qualidade literária”, se é que posso dizer assim, além do sistema de edição e distribuição. Abriu caminho para muita gente, além de ter momentos maravilhosos da Ana, do Cacaso, do Charles, Guilherme Mandaro, Chacal, poetas que amo.
Minha trajetória foi diferente da do grupo, meu segundo livro, Finesse & Fissura, já saiu em 84 pela Editora Brasiliense, então do saudoso Caio Graco, na coleção Cantadas Literárias. Quem dirigia essa coleção e me convidou para participar foi o Luiz Schwarcz, que depois criou a Companhia das Letras.  O terceiro é o 40 graus, pela Francisco Alves editora, 1990. E o quinto, de 2012, Notícias da Ilha – 31anos de poesia, uma reunião do meu trabalho mais vários inéditos, pela 7 letras. Mais uma vez contei com a generosidade do Paulo Mendes da Rocha na capa, e a edição traz uma apresentação belíssima do poeta Carlito Azevedo.

Seu quarto livro, Exercícios de Levitação(2002), é a compilação de  uma coluna que você manteve no jornal Folha de S.Paulo, de poesia em prosa, escritos entre 1996 e 2000. Como foi escrever a coluna ?
Ledusha S – Sim, eu tinha esse espaçozinho, num canto privilegiado da Folha Ilustrada, ao lado do horóscopo, e a princípio não poderia publicar poemas, em seu formato vertical mais comum. Como precisava demais desse trabalho, passei a escrevê-los na horizontalidade mais característica da prosa, e assim o mantive por quatro anos – então foram chamados de prosa-poética. Completo: por pura necessidade (risos). Experiência sensacional, escrever texto de criação com prazo, era um por semana. É claro que publiquei muita coisa ruim, porque, queira ou não, existe certa pressão e às vezes isso é muito tenso, mas de um modo geral foi positivo, valeu demais o exercício. Sim, o livro é uma compilação desses textos, mas também contém alguns poemas que não saíram na coluna. A capa é das que mais gosto, da editora 7 Letras, em papel cartão cor neutra, acinzentada, com desenho do querido Paulo Mendes da Rocha, o arquiteto e urbanista maravilhoso.

Você começou a escrever poesia e ficou conhecida num tempo em que havia poucas autoras escrevendo, ou reconhecidas. A antologia 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque de Hollanda, por exemplo, embora destaque o avanço das conquistas sociais das mulheres na literatura, traz apenas cinco poetas mulheres.  É bom ter mais mulheres escrevendo poesia  hoje ? O que mudou nos anos de sua juventude e hoje?
Ledusha S – Aí no caso acho que seria interessante perguntar à Helô, não sei qual o critério que ela usou na seleção. Ela publicou uma segunda antologia, anos depois, mas não me lembro se havia mais mulheres. É importante e necessário que mais mulheres ocupem mais espaço em todas as áreas, e na nossa tenho visto uma infinidade delas, hoje. Acho muito bom, mas não posso comentar a qualidade dessa produção por falta de conhecimento. Sei desse grande número de poetas mulheres pelo Facebook, hoje em dia leio mais prosa. Claro, tem as excelentes Bruna Beber, Angelica Freitas, Marilia Garcia, por exemplo, que leio com prazer, mas mesmo assim conheço menos do que deveria, do trabalho delas.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548