A GRANDE NOITE PERDIDA
a Georg Baselitz
1
Olha em meus olhos
que me sei desleixado
mas ainda sorrio
como um céu vazio
cravado na neve
que me cinge o corpo
com latas de tinta e
medos de escorpião
2
Seja a claridade em
que durmo e esfrego
os olhos − não vês
que me estrago?
3
Na noite em que
velo pedras de
fogo me esfriam
e dobram e, limpo
cicatrizo −
continuo aqui
CERÂMICA
a Pablo Picasso
No lago
ao pôr
do sol –
logo
o mar
se tolda
enquanto
falo
GUERNICA
a Pablo Picasso
Quem dera
um sonho
de acordar
Não que
houvesse
um ver
primeiro –
um rosto
posto em
seu regaço −
os astros
desfiados
no infinito –
pouco a
pouco
VISTO PELA ÚLTIMA VEZ: DAMA
E CAVALEIRO DE NEGRO DA
AUTORIA DE REMBRANDT
a Sophie Calle
Aqueles pra quem
nada conta −
seja atrás de um
reposteiro ou de
um arado, de um
paiol ou de um
pulso magnético −
não sabem o que
fazem: um fascínio
um risco, uma luz
de foco abrupto
um rubor de
gosto amargo
AS ROCHAS DE BELLE-ÎLE
a Claude Monet
1
Distante o
traço de
um corpo
sem vento
2
Abrir os
olhos −
assinar
um dia
invencível
pintura: Georg Baselitz
* * *
Jorge Lucio de Campos nasceu no Rio de Janeiro. É poeta, ensaísta e professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ESDI/UERJ). Publicou, entre outras, as coletâneas A dor da linguagem, À maneira negra e Prática do azul. Os poemas acima integram a coletânea, ainda inédita, Paisagem bárbara. E-mail: jorgeluciocampos@gmail.com