![]() |
Foto de Francesca Woodman |
Colisão de Esperas
Saberás desabitar teu tempo
nas vértebras dos colibris.
Ainda que colidam esperas
e multipliquem-se de vésperas.
Ainda que removam teus navios
e os desafios envelheçam.
Saberás do espelho
nos rigores dos olhos
que molham a cara.
E tudo será retrospecto,
avulso...
sem ramificações
que não sejam marítimas.
Saberás legitimar das fraudes
o esquecimento,
a desmemória-chave
do que agora recomeça
e já não pode ser outro
por falta ou excesso de pacto.
Sorverás da palavra
a nódoa imperdoável
da beleza.
Rezarás inúteis distâncias
por causa das gentes
e estas ressurgirão
no tardio de cada urgência.
Saberás,
no pontal das cegueiras,
das bandeiras que se dissolvem
quando feitas de gelo e sal.
Deixarás teu tempo
como o animal que deixa
- do combate ao ninho -
o incompatível caminho.
- É teu sigilo voltar.
__________________________________
Dos Cavalos
O que eu poderia dizer dos cavalos...
é que eles transferem a limpeza
para as manhãs,
com antecedência.
Cavalos têm coração anônimo
e um silêncio irrevogável.
Não sei se posso ponderá-los
no peito, de um sonho só...
em sacrifícios aderidos.
Tenho sequelas idênticas.
_____________________________________
Até que os Portões Desistam
para meu pai em despedida
A paz cansada em teu rosto
de quase tudo
já disperso.
Cada um conhece sua espera.
Todas as horas reunidas
concluíram-te sem manifesto.
Que imagem te recolheu?
Que derradeiro pensar?
Lembro do contra-aceno
em teu olhar,
no velejar de arames
farpando de medo
nossas verdades.
As mãos da morte tão fechadas...
E eu tendo que ficar:
inquisição, pedra, moinho.
Os ventos grávidos de sabotagem
a amparar andaimes
do que não fui.
Agora,
aqui nesse pasto de saudade
a vida foge dos dias:
requer instâncias mais desprendidas
para a devolução do sono.
Até que os portões desistam.
_____________________________________________________
A condição humana
Que possamos ainda nos perder
mas só até o perdão da palavra,
de onde ela brota
sem nenhum diamante.
Dinamitada...
bruta, exausta
frente a uma luta
que insulta e absorve a si mesma.
E se refaz.
Que possamos ainda nos curar
do mundo. Ou ele de nós.
Curvarmo-nos ao sol depois...
dos solavancos dessas rotas.
Escusas. Escoltas.
Nos retiros para longe (mas para onde?)
desses mostruários
de monstros e martírios,
de tudo o que craveja e é diário.
E nos trafega sem sentido,
mesmo sem ser tiro.
Que o susto não nos veja mais
assim,
menos humanos,
a abrir o lacre dos sacrifícios,
dos massacres...
Nem os astros nem os apelos
da Via Láctea nos vejam.
Entre lamentos e atropelos
sob as estrelas...
nossas celas abertas,
em filas...
os filhos acelerados
morte adentro
da noite sem trancas.
Que os bichos não nos vejam!
Não nos vejam!
____________________________________________
Oratórios d'Água para Guardar Hojes
VIII - da imersão nos dias -
Remir-me
no estreito dos igarapés,
através do corpo em salmo.
Salvo a promessa adiada
de esquecer aqueles dias.
Imersão. Compressa.
Glândula do rio.
Peito raso. Ocaso.
Olho mais fundo que o vazio.
Rápida calêndula. Gôndola.
Calendário d'água. Memória.
Morna. Sonda.
Sublimação do estio.
Lavar a cruz
do que não se cumpriu
esforça muito uma oração.
Se há elevação.
Escavo no rosto da sombra
um outro leito.
Até completar o abrir da lágrima
na remissão do extremo.
E remo.
![]() |
Foto de Francesca Woodman |
Coreografia pulmonar
Sabia ser de manhã por causa da luz preparatória. No oratório do instante concentrava-se de instinto com maior relevância... para alcançar de prioridade o fundo das vivências logo acima. Debaixo para cima. Repuxava o ar de um lado a outro, de dentro a dentro, em marcha, em máxima asfixia. Tranquila. Inquilina, às pressas, da alegria. Sempre nascia de alto mar. Em pulmonar coreografia. E subia para saudar... para soldar os toldos dos encantos. Todo santo dia.
_________________________
Antes do amanhecer
Amortece-me a noite feito um azulado cavalo negro. Magro. Não, ele não é alado. Agrego ciclos infinitos no que não me vejo. Protejo potros indefesos nas guarnições da chuva, só que não quero falar de chuva. Mais. É cansativo. Preciso estancar as pancadas do pensamento, em terrenos menos movediços. Disso depende isso. Alagar. Não. Legar. Não. Largar. Também não. Ligar. Não encontrei lugar nem palavras que soubessem salvar a altura do invisível que me circunda de tudo em comoção. Foi então que construí essas palavras: párpio, flanura e auriência. Para designar a essência da mais neutra solidão. Inédita, como se fosse de outra desordem. As novidades estão lúcidas... comprimidas em comprimidos de aceitar. Nada mais tem pressa desde que absolvi o futuro. Há tonturas expressas aqui. Sento-me numa escada que nunca vi. Escuto para baixo. Deixo os escudos de lado na escala das fúrias. São árias antigas, cantigas contidas nos restauros da razão. Centauros dormem sobre o colo das esperas. Colocam-me em estado de reintegração no mundo. Às vezes choram um pouco de lutar porque têm as articulações machucadas contra o fracasso. O fracasso não erra mais de uma vez.
Patrícia Claudine Hoffmannnasceu em São Paulo, no ano de 1975 e mora em Joinville, Santa Catarina, desde 1981. Graduou-se em Letras, pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, em 2004. É professora efetiva da Rede Estadual de Ensino de SC., onde leciona Língua Portuguesa e Literatura. Autora dos livros de poesia: "Água Confessa" ( 2001 - Editora Letradágua) e "Sete Silêncios" (2004 - Editora Fundação Cultural de Itajaí), aguarda o lançamento, ainda para este ano, de seu novo livro de poemas:“Matadouro Imperfeito” (Ed. Letradágua), e para o mês de janeiro de 2017, pelas Edições Marianas, lança seu quarto livro: “Feito Vértebras de Colibris” (poesia e prosa). Mantém o blog Espólio do Sol e integra algumas antologias.