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Sete poemas de Patrícia Claudine Hoffmann

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Foto de Francesca Woodman



Colisão de Esperas

Saberás desabitar teu tempo
nas vértebras dos colibris.

Ainda que colidam esperas
e multipliquem-se de vésperas.
Ainda que removam teus navios
e os desafios envelheçam.

Saberás do espelho
nos rigores dos olhos
que molham a cara.

E tudo será retrospecto,
avulso...
sem ramificações
que não sejam marítimas.

Saberás legitimar das fraudes
o esquecimento,
a desmemória-chave 
do que agora recomeça
e já não pode ser outro
por falta ou excesso de pacto.

Sorverás da palavra
a nódoa imperdoável
da beleza.

Rezarás inúteis distâncias
por causa das gentes
e estas ressurgirão
no tardio de cada urgência.

Saberás,
no pontal das cegueiras,
das bandeiras que se dissolvem
quando feitas de gelo e sal.

Deixarás teu tempo
como o animal que deixa
- do combate ao ninho -
o incompatível caminho.
                                               - É teu sigilo voltar.                         
                           
__________________________________

Dos Cavalos

O que eu poderia dizer dos cavalos...

é que eles transferem a limpeza
para as manhãs,
com antecedência.

Cavalos têm coração anônimo

e um silêncio irrevogável.

Não sei se posso ponderá-los
no peito, de um sonho só...
em sacrifícios aderidos.

Tenho sequelas idênticas.
_____________________________________

Até que os Portões Desistam

                 para meu pai em despedida

A paz cansada em teu rosto 
de quase tudo 
já disperso.

Cada um conhece sua espera.

Todas as horas reunidas 
concluíram-te sem manifesto.

Que imagem te recolheu?
Que derradeiro pensar?

Lembro do contra-aceno 
em teu olhar,
no velejar de arames
farpando de medo 
nossas verdades.

As mãos da morte tão fechadas...

E eu tendo que ficar: 
inquisição, pedra, moinho.

Os ventos grávidos de sabotagem
a amparar andaimes 
do que não fui.

Agora,
aqui nesse pasto de saudade
a vida foge dos dias: 
requer instâncias mais desprendidas
para a devolução do sono.

Até que os portões desistam.
_____________________________________________________

A condição humana

Que possamos ainda nos perder
mas só até o perdão da palavra, 
de onde ela brota
sem nenhum diamante.

Dinamitada...
bruta, exausta
frente a uma luta 
que insulta e absorve a si mesma.
E se refaz.

Que possamos ainda nos curar
do mundo. Ou ele de nós.
Curvarmo-nos ao sol depois...
dos solavancos dessas rotas.
Escusas. Escoltas.

Nos retiros para longe (mas para onde?)
desses mostruários
de monstros e martírios,

de tudo o que craveja e é diário.
E nos trafega sem sentido,
mesmo sem ser tiro.

Que o susto não nos veja mais 
assim,
menos humanos,
a abrir o lacre dos sacrifícios,
dos massacres...

Nem os astros nem os apelos
da Via Láctea nos vejam.

Entre lamentos e atropelos
sob as estrelas...
nossas celas abertas,
em filas...
os filhos acelerados
morte adentro
da noite sem trancas.

Que os bichos não nos vejam!
Não nos vejam!
____________________________________________

Oratórios d'Água para Guardar Hojes

VIII - da imersão nos dias -

Remir-me
no estreito dos igarapés,
através do corpo em salmo.
Salvo a promessa adiada
de esquecer aqueles dias.

Imersão. Compressa.
Glândula do rio.

Peito raso. Ocaso.
Olho mais fundo que o vazio.

Rápida calêndula. Gôndola.
Calendário d'água. Memória.
Morna. Sonda.
Sublimação do estio.

Lavar a cruz
do que não se cumpriu
esforça muito uma oração.
Se há elevação.

Escavo no rosto da sombra
um outro leito.
Até completar o abrir da lágrima
na remissão do extremo.

E remo.

Foto de Francesca Woodman


Coreografia pulmonar

Sabia ser de manhã por causa da luz preparatória. No oratório do instante concentrava-se de instinto com maior relevância... para alcançar de prioridade o fundo das vivências logo acima. Debaixo para cima. Repuxava o ar de um lado a outro, de dentro a dentro, em marcha, em máxima asfixia. Tranquila. Inquilina, às pressas, da alegria. Sempre nascia de alto mar. Em pulmonar coreografia. E subia para saudar... para soldar os toldos dos encantos. Todo santo dia.
_________________________

Antes do amanhecer

Amortece-me a noite feito um azulado cavalo negro. Magro. Não, ele não é alado. Agrego ciclos infinitos no que não me vejo. Protejo potros indefesos nas guarnições da chuva, só que não quero falar de chuva. Mais. É cansativo. Preciso estancar as pancadas do pensamento, em terrenos menos movediços. Disso depende isso. Alagar. Não. Legar. Não. Largar. Também não. Ligar. Não encontrei lugar nem palavras que soubessem salvar a altura do invisível que me circunda de tudo em comoção. Foi então que construí essas palavras: párpio, flanura e auriência. Para designar a essência da mais neutra solidão. Inédita, como se fosse de outra desordem. As novidades estão lúcidas... comprimidas em comprimidos de aceitar. Nada mais tem pressa desde que absolvi o futuro. Há tonturas expressas aqui. Sento-me numa escada que nunca vi. Escuto para baixo. Deixo os escudos de lado na escala das fúrias. São árias antigas, cantigas contidas nos restauros da razão. Centauros dormem sobre o colo das esperas. Colocam-me em estado de reintegração no mundo. Às vezes choram um pouco de lutar porque têm as articulações machucadas contra o fracasso. O fracasso não erra mais de uma vez.



Patrícia Claudine Hoffmannnasceu em São Paulo, no ano de 1975 e mora em Joinville, Santa Catarina,  desde 1981. Graduou-se em Letras, pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, em 2004. É professora efetiva da Rede Estadual de Ensino de SC., onde leciona Língua Portuguesa  e Literatura. Autora dos livros de poesia:  "Água Confessa" ( 2001 - Editora Letradágua) e "Sete Silêncios" (2004 - Editora Fundação Cultural de Itajaí), aguarda o lançamento, ainda para este ano, de seu novo livro de poemas:“Matadouro Imperfeito” (Ed. Letradágua), e para o mês de janeiro de 2017,  pelas Edições Marianas, lança seu quarto livro:  “Feito Vértebras de Colibris”  (poesia e prosa). Mantém o blog Espólio do Sol e integra algumas antologias.


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