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Anne Sexton e a poesia confessional como evolução literária - Antônio Alves da Silva Teixeira

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A poesia confessional tem sua origem no final da década de 1950 com a coleção de poemas “Life Studies” do poeta norte-americano Robert Lowell, cuja repercussão no meio literário se deu após a resenha de M. L. Rosenthal – que surgiu com o termo “confessional” no intuito de identificar, até então, o ineditismo do estilo em sua forma mais específica. A obra deu abertura a um recurso utilizado, inicialmente, por transmutar na criação e no desenvolvimento poético experiências pessoais e temas até então não explorados por questões estilísticas. A ênfase em assuntos de ordem íntima proporcionou uma espécie de desinibição por integrar a história pessoal do autor como material bruto criativo, além de promover a discussão baseada em aspectos referentes à psicologia do indivíduo, mapeamento do “eu”, relações familiares e amorosas.
            Anne Sexton é um dos grandes nomes desse movimento. Nascida em 1928 em Newton, Massachussetts, é reconhecida como expoente no estilo que a lançou como grande referência, principalmente, sob o ponto de vista feminino, por especificar temas voltados à sexualidade, ao matrimônio, à relação como mãe, ao corpo e à luta contra a depressão.
            Antes de exercer uma carreira literária, Sexton, até então dona de casa, passou a desenvolver problemas psicológicos, sendo diagnosticada com depressão pós-parto após o nascimento de sua primeira filha. Orientada pelo seu terapeuta a registrar seus pensamentos e inquietações através da escrita, passou a produzir poemas relatando sua condição. Sexton, dando continuidade ao interesse por escrever como método de entendimento de sua enfermidade, participou de um workshop promovido pelo poeta e crítico John Holmes, dando início à construção de sua própria obra.
            “ToBedlamandPart Way Back” foi publicado em 1960 e sintetiza o registro do que estava por vir em relação ao eu-poético confessional e suas nuances. Influenciada por poetas de renome como o próprio Lowell e W. D. Snodgrass, Sexton recebeu elogios da crítica, principalmente por dar nitidez à persona vestida de si mesma, descrevendo sua relação com o terapeuta, além do reflexo íntimo de seus dias em instituições psiquiátricas. A loucura versus o processo de cura. As relações amorosas como válvula de escape, a experiência como esposa e mãe, o sexo, a morte.
            Foi agraciada em com o Pulitzer em 1967 pelo seu terceiro livro de poemas, “Live or Die”, publicado em 1966. Contemporânea de Sylvia Plath, Sexton obteve grande ascensão no meio literário e acadêmico durante toda a sua vida, deixando sua marca referencial no estilo que sucumbiu ao seu talento; mesmo não sendo fiel seguidora no que concerne à forma e à estrutura, pois sua obra seguia através da apuração experimental e inconsciente – se comparada à Plath.
            Temas recorrentes em seu trajeto poético incluem o mapeamento de assuntos tidos como tabu em plena sociedade americana patriarcal do século XX. Sexton elaborou com maestria, visões poéticas relacionadas à menstruação, masturbação, adultério, ode ao próprio corpo, tentativas de suicídio, dependência aos antidepressivos, loucura, morte e um trajeto de si mesma que conduz a uma etnografia do que é ser mulher sob o seu ponto de vista e sob o ponto de vista histórico-cultural.
            Há o pressuposto no que condiz aos estudos literários, primordialmente à interpretação, análise, contexto que justifica e interage com a vivência do autor, porém ao não detrimento da própria obra. A ênfase não se solidifica unicamente pelo contexto histórico para conceder valor literário, mas também se resume como reação essencial ao entendimento do que é a poesia confessional, muito mais além do que seria um retrato conciso nas especificidades de questões epistemológicas ou ontológicas.
            O senso estético de material poético voltado às questões individuais e intransferíveis é o atual motim contemporâneo na produção literária, cujo combustível se deu à apresentação do “eu” originado nos poemas e narrativas confessionais.
Anne Sexton, dando fim à sua vida, cometeu suicídio em 1974, aos 46 anos, deixando um legado que reverbera inspiração aos estudiosos da literatura, à critica e aos poetas que bebem dessa fonte presentes em nossa geração. Vida privada se imanta ao ser humano, ao tempo, às suas escolhas e consequências.


           


Antônio Alves da Silva Teixeiraé cearense, com formação em Letras Inglês pela Universidade Federal do Ceará. É autor de “Salão Chinês” (Patuá, 2014), participou da coletânea de contos “A Polêmica Vida do Amor” (Oito e Meio, 2011). Assina a autoria de suas obras e criações literárias sob o pseudônimo de Antônio LaCarne. E-mail de contato: antonio.lacarne@gmail.com

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Referências:
MIDDLEBROOK, Diane Wood. Anne Sexton: A Morte Não é a Vida: Uma Biografia. Tradução de Raul de Sá Barbosa. São Paulo: Editora Siciliano, 1994.
SEXTON, Anne. The Complete Poems: Anne Sexton. HoughtonMifflin, 2000.
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da Literatura e Metodologia dos Estudos Literários. Tradução de Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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