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Imagem: "Adversity makes strange bedfellows" by Gregory Maiofis |
A ceia da Lua Negra
Imenso campo de trigo
promessa do eterno saciar
da fome lunar que meu corpo abriga.
Ocultas na paisagem mística,
de um ser que se estende
ao sol de todas as sementes,
silenciosas se formam
pequenas conchas de ópio
impregnando minha língua
de futuras papoulas, tantas cores
delírios hipnóticos, prismáticos.
Cheiro de pão assando nas brasas do desejo
me desabrocham em róseas
púrpuras, descaradas flores.
Cresço noturna em calores, imagens dionisíacas
vinho, taça invisível me oferece o fauno.
Ouço sua flauta a chamar para o banquete
todas as minhas fomes mais sinceras.
E minhas narinas de loba percorrem o caminho
de pele, fragrâncias e óleos, Lilith
a procriar seus pequenos demônios
ninhadas de quereres urgentes
Tudo é tragado, trigo e papoulas
na mesma massa misturados
e servidos ao ponto de êxtase
com direito a dentes, unhas e salmos.
A lua cheia, grávida de inconsciência
dispensa Jorge e seu dragão
que isso não são horas de visitas
e apenas a alma da hora presente
pode habitar este círculo mágico
no ritual à saciedade.
Depois, o universo se condensa por um segundo
um anjo, daqueles bem antigos
recupera o som de sua trombeta
anunciando a passagem da carruagem de fogo.
Vai minguando a angústia da procura
e o cavalo de Jorge pasta mansamente
nas pontas dos dedos pousados nos seios da noite.
E numa rede pendurada nas paredes do nada
em mim Lilith por algum tempo
sossega sua lua nova nos braços de Adão.
O vento sopra trigais e papoulas ao amanhecer.
Em cena
Um corpo
que não me comporta
tantas almas tortas em mim,
umas vivas outras mortas,
a reprise é necessária.
Em ciclos de cinema
acontece a vida,
o roteiro pouco muda
filme de arte ou dramalhão.
O que importa é ser o diretor
que vê a cena e a poesia.
E a mão que tira do abismo
brega ou chique
depende do champanhe ou da sidra.
Cena final:
as flores estremecem
no verde do meu vestido
nunca amadurecer a esperança
nunca apodrecer o desejo.
A paixão é boa sempre,
por uma noite ou para sempre.
CHUVA
Há um pouco de chuva
no longo beijo
na soleira da porta
no redimido abraço.
Goteja a voz cheia e sede
escorrendo pela pele
línguas, lábios
Há um pouco de chuva
no relógio parado
no copo de vinho
no corpo suado
No sono a estiagem do desejo
é breve.Jurema Barreto de Souza, natural de Santo André, 1957, poeta, editora da Revista A Cigarra (1982-2007), 42ª edição e 25 anos de atuação. Participou do Grupo Livrespaço de Poesia, fundado em 1983, com o Projeto Autor?Leitor na Escola, realizando a Oficina da Palavra, editou com o grupo a Revista Livrespaço, ganhadora do APCA em 1994. Livros publicados: - Papoulas & Amnésias, em co-autoria , 1982. Dalilas Siamesas - Santo André, SP: Ed. Livrespaço, 1987 - Poética da Ternura. Santo André – SP: Edições Alpharrabio, 1986. - Policromia- 30 anos de poesia - Santo André – SP – A Cigarra edições – 2010, entre outros.
Coordenou entre 2000 e 2007 o Projeto Ler & Falar Poesia, na Casa da Palavra e foi membro do Conselho Municipal de Cultura de Santo André pela Comissão de Literatura (2004-2007).
Edita atualmente ZINE ZERO - os cigarristase Frenezine, plaquetes de poesia.