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3 POEMAS DE FERNANDO NUNES

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A queda da inflação - Waldomiro de Deus (1994)

Pessoas

Quanto mais só estou,
mais me cerco de pessoas imaginadas.
Destas mulheres que me pedem para serem descritas
- que sou eu -, essas entidades.
Destes homens ambíguos,
forças da natureza
- esses também sou eu.

Eu não sei quando toda essa gente se perdeu,
se desprendeu de mim e o que eu sou.
Parei de procurar!
Se falam, quando falam
fico atento, tento anotar
Não quero esquecer depois.

Aceitei o Dom de vê-las se manifestar.

Nem tudo o que me dizem é bonito,
é poético, é sobre esta vida.
Muito não se aplica, elas o sabem
e gargalham de mim sonoramente,
cada vez que me empenho em explicar.


*


Último gole

Que líquido satânico vermelho encarnado
é esse, por nossa senhora?
Que cor do veneno da cor do diabo
é esse, nossa senhora?

Desceu ai, desceu botando fogo em tudo.
A fogueira do não resolvido:
Tomei um gole.
Esqueci o não telefonema;
Esqueci o não cancelamento do esquema;
o não esqueço que tenho hora;
o não gostar de cozinhar.

Pegou fogo em tudo, carvão, brasa
Eu cambaleei nas cinzas e comi
qualquer besteira e bebi também.

Que líquido satânico vermelho encarnado
Que cor do veneno da cor do diabo
Na garrafa só tem mais um gole
É esse minha nossa senhora! 


*


A queda

A escrita é o último sacerdócio que me resta
Único que me conecta à performance de Deus,
um qualquer dos mortais desconhecidos.
Nem o maior nem o menor, nem o do diabo.
É o que sobrou da traição dos ritos,
da flecha partida ainda no ar flutuante
a caminho do alvo.

Minha boca é arco, gatilho, é buraco
nela caem os rebanhos de meu irmão,
saem disparos, tiros e quedas.

Caio sempre atirando
 palavras, flechas, balas, credos.
Não sei; sou eu guardador de meu irmão?

Não faltam alvos,
 falta vê-los, distingui-los, derrubá-los
puxar a corda-gatilho de minha boca,
abrir a mão e deixar sair:
flecha que liga o Céu,
bala que desliga a Terra;
os anjos às crianças,
os homens aos demônios,
o simples a Deus.

O sacerdócio não é só Dele,
é das criaturas do Alto e Embaixo.


(Poemas retirados do livro Cais de Pedro, 2016)


***

Fernando Nunes é de Maceió-AL, de onde traz muitas memórias das águas, abundantes por lá. Jornalista, costuma dizer que escreve desde sempre, mas começou a gostar disso aos 17 anos. É também autor do livro Águas para as Cerejeiras, e-book publicado em fevereiro de 2016.








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